Hoje quero dividir com vocês a experiência única de conhecer lagos de altitude na Amazônia. O limnólogo geralmente pensa na Amazônia como grandes rios e igarapés, várzeas e igapó… a água subindo, a água descendo. Chuva, muita chuva. Aspectos fascinantes de um dinamismo bio-eco-antropológico absurdo, formidável, de um gigantismo só real quando vivido. Lido, ouvido ou imaginado, não vale! Vai ficar sempre aquém, seja qual for o parâmetro adotado.
Mas igualmente fascinante é encontrar ambientes aquáticos no alto de serras, em paisagens peculiares como a formação vegetal de savana metalófila (a canga), em plena Amazônia. Em 2004 o nosso laboratório iniciou um convênio com a companhia Vale que tem permitido e facilitado o desenvolvimento de pesquisas para promover e aprofundar o conhecimento limnológico destes ambientes.
A região é o Sul do Pará, na Serra de Carajás, na Flona de Carajás, administrada pelo ICMBio, que apoia e autoriza amplamente nosso trabalho. Além da Flona de Carajás, ali estão outras 4 unidades de conservação e uma Terra Indígena, dos índios Xikrin. Juntas estas áreas somam cerca de 1 milhão de hectares de áreas protegidas. Apesar de isto significar muita terra, não passa de uma gigantesca ilha numa região profundamente modificada pelo desmatamento, basicamente com a finalidade da pecuária extensiva.
Mas não é só isto. É região de intensos e históricos conflitos. Da interminável disputa pela terra…sangrenta luta, de sempre novas vítimas e casos emblemáticos como o assassinato da missionária Dorothy Stang e do massacre de Eldorado dos Carajás. Não menos importante na região, e não menos problemática é a riqueza mineral que sai da terra.
Que fez de Serra Pelada um caso conhecido para o mundo e hoje uma vila paupérrima, de chão batido, com um lago de 100m de profundidade contaminado por mercúrio e uma alta concentração de moradores com hanseníase vivendo em casebres. Na terra de onde brotaram pepitas de 1 kg de ouro, nada belo, rico ou opulento ficou. E que agora vive novo ciclo impulsionado pela exploração de minério de ferro, manganês e cobre para citar os principais.
É por isto que Parauapebas, um município com 25 anos é hoje o 33o município mais rico do país, o segundo do Pará. Arrecadação de royalties de 10 mundo, qualidade de vida de último. Brincando digo que na região tem toda a tabela periódica, em abundância, mas que por enquanto só se explora um pedacinho dela. Bem, mas isto é assunto para um outro momento. Hoje o foco são as lagoas. São muitas e por certo valeria a pena falar de todas. De tão desconhecidas, a maior parte nem nome tem. Poucas delas são de fato conhecidas das pessoas e receberam nomes.
A Serra de Carajás é um conjunto de serras, e duas delas são as mais destacadas por causa da exploração mineral, a Serra Norte e a Serra Sul. Na Norte estão concentradas as atividades de exploração de Ferro e Manganês. Na Sul ainda nada, mas vem por aí uma mina de Ferro (já com licença de instalação do Ibama) que projeta começar a operar em alguns anos.
Sendo uma Flona, este tipo de atividade produtiva é possível, e na verdade já ocorria ali quando ela foi criada em 1998. É mais um caso moderno de clara e flagrante necessidade de efetiva gestão dos recursos naturais, na expectativa de ajustar a satisfação de necessidades materiais com a proteção da natureza.
É região êxtase, fascinação, de bocas abertas, de OHs e UHUs, deleite para a alma, colírio para os olhos, surpresa a cada curva, depois de cada morro. Na época das chuvas (de novembro a maio) a paisagem é salpicada pela cor e pela peculiaridade de uma tríade vistosa das serras que são três espécies de ipomeias. A Ipomoea cavalcantei é vermelha encarnada enquanto a I. marabaensis e a I. carajasensis são da cor lilás, mas diferem no tamanho das flores, no formato das folhas e no hábito. A primeira é endêmica da serra, a segunda do sudeste do Pará e a terceira com uma distribuição um pouco mais ampla. E em meio a outros tantos caprichos estão lagoas para todos os gostos e interesses.
Aquelas profundas, com até 15 metros, nos lembram ambientes de alturas. Ali as macrófitas que diversificam os habitats estão pouco presentes, mas isto não quer dizer monotonia. Tem com peixe e sem peixe. Tem 3 que apelidamos de cromossomo, mas que na verdade acertou mais o povo quando as chamou de 3 Marias. Cada uma é uma, valha a clorofila ou o disco de Secchi. E aquelas que de aparência nem tão clássicas são? Chamamos de rasas, poças, temporárias, brejos…bom, achamos que temos um caminho promissor se pensarmos uma tipologia destes ambientes tendo as macrófitas como principal fator estruturador.
Hoje já conhecemos que são 162 espécies, alguns ambientes com mais de 30 delas. Alguns destes ambientes não passam de leves depressões do terreno que quando cheias não têm mais que 0,5 metro de água. Desprezíveis? Absolutamente. Por ali andam antas, capivaras, aves e jacarés…de uma delas se descreveu recentemente uma espécie de Anostraca, Dendrocephalus carajasensis. Padrão que parece se repetir entre serras, ambiente que seca completamente … quase tudo parece sumir… mas basta ser hidratado com as chuvas que chegam e tudo literalmente explode de vida, principalmente do sedimento, que em alguns casos não passa de poucos centímetros.
Outras não são tão efêmeras e se parecem a brejos, onde é fácil atolar, vemos frequentemente dominância de uma ou duas macrófitas que pode ser uma espécie de Eleocharis ou de Rinchospora, ou ambas. Neste caso o sedimento é espesso, rico em detritos das plantas e tem se mostrado como um ambiente interessante para o curioso Argirodiaptomus paggi, que homenageia o eminente limnólogo argentino Juan C. Paggi.
Além da rainha, do Messi e do Papa, os hermanos ainda têm o Paggi. Se eles têm o limnólogo, nós temos o copépodo, que até agora, só foi encontrado em Carajás e em Roraima, de onde foi descrito. E feio não é, parece alemão, torcedor do Werder Bremen, pois se veste de verde e laranja. Muito curioso! Tem mais… tem mais… mas não vai dar para falar agora, pois se me pusesse a falar de lagoas com majestosos cílios de buritirana, ou cabeleiras de Clusia esgotaríamos o espaço deste blog, pois é uma longa história. História que estamos só começando e que se tornará ainda mais fantástica sob o olhar inquisidor e curioso de tantos limnólogos que podem com elas se envolver.
Reinaldo, ninguém melhor que você para expor tão bem as belezas das lagoas da Serra de Carajás e incluir no seu discurso os aspectos sociais e econômicos da região. Certamente, a experiência de quem visita estas lagoas é única e fico honrada de ter sido uma destas pessoas felizardas. Ótima maneira de cativar a curiosidade das pessoas, biólogos, novos limnólogos para estes ecossistemas. Obrigada por dividir suas experiências e olhares! A Flona de Carajás completou 15 anos este ano… É só uma debutante! Que em meio a tanta pressão, permaneça com o viço da juventude!
Aliny,
os últimos dias foram muito atribulados…até estive bastante ausente do dia-a-dia do Blog. Que bom que você gostou do texto. Estou convicto de que preocupação com os vínculos socioeconômicos do nosso trabalho é algo tão importante quanto outros aspectos. É algo que devemos perseguir, deve ser algo intrínseco ao nosso olhar. É algo capaz de dar sentido ao rigor metódico e à rotina da pesquisa científica. Mas cá prá nós, você faz isto tão bem quanto eu, e muito antes que quando eu comecei. É tempo de unir forças e fazer aquela homenagem à FLONA Carajás. Vamos lá?
Opa… Se o Scofield não tivesse me mostrado eu não teria visto esta mensagem! Obrigada Reinaldo, deve ser a inspiração cotidiana! E CLARO que SIM! É tempo da merecida homenagem à FLONA, será um prazer fazer isto! Vamos conversando por email e no laboratório… Logo, logo a galera do blog mostra o resultado! 😉