Se você é amigo de algum ecólogo, provavelmente já deve ter ouvido ele ou ela falando ‘Estou em campo’. Possivelmente você também já se questionou o que esse seu colega tanto faz que está sempre nesse tal de campo: ‘Que diacho de lugar é esse?’ e ‘deve ser muito bom, pois ele está sempre lá!’.
Bom, o campo é uma das principais atividades desenvolvidas por um ecólogo (e um biólogo, no geral). O campo pode ser praticamente qualquer coisa: uma área de mata que a pessoa visita semanalmente para pôr armadilhas para capturar vertebrados, uma lagoa que é visitada todo mês para realização de um monitoramento de suas características, ou até mesmo um experimento em alguma área natural que é realizado em algum momento específico no tempo.
É no campo que toda a ação acontece. É lá que nós, ecólogos, coletamos os dados para testar nossas hipóteses e realizar as observações que vão gerar nossas dissertações, teses e artigos. E, uma vez que estamos trabalhando com a natureza, nosso ‘paciente’ não tem hora para ser examinado: é o período do pulso de inundação de um rio em um determinado mês, é o breve momento em que uma flor se abre, é a abertura de barra de uma lagoa costeira. Não temos hora, não temos dia, não temos fins de semana e nem feriado – qualquer dia é dia, qualquer hora é hora, cada segundo conta.
Um dos motivos mais comuns que nos trazem ao campo é para realizar um experimento. Nesses últimos dois meses, eu e mais alguns amigos nos mudamos para a Praia de João Francisco, no município de Quissamã (região norte do Rio de Janeiro), onde realizamos cinco experimentos diferentes. Em sua maioria, estes experimentos envolviam a manipulação diária do regime de precipitação, bem como o registro do hidroperíodo de alguns pequenos corpos d’água e a manipulação de alguns predadores aquáticos. Não viemos porque queríamos, mas porque nosso paciente nos chamou.
Realizar um experimento de campo não é tarefa fácil. Existe um grande esforço físico e psicológico no seu planejamento, preparação, montagem e, principalmente, desmontagem. É interessante quando você percebe que fazer um experimento é, por vezes, revisitar o jardim de infância: você desenha, corta, costura, cola, identifica as coisas usando cores e formas diferentes. Ria se quiser, mas o resultado é isso que você pode ver abaixo.
Fazer um experimento ou uma grande coleta em campo é quase como ter um filho. Você planeja todos os seus passos com cuidado, prepara todo o seu material com atenção, coleta suas amostras com o maior zelo possível. Você reza para que as coisas deem certo. Se estressa com o menor deslize ou coisa estranha que aconteça. Você pede para que, independente do que ocorra, haja alguma diferença entre os tratamentos que você estabeleceu ou entre os ambientes que você amostrou – não precisa ser uma diferença óbvia, mas pelo menos alguma diferença explicável. E, quando finalmente seu campo acaba, vem aquela sensação de alívio. A sensação de dever cumprido. A ideia de que você finalmente vai poder dormir sossegado, pelo menos por algum tempo.
Estar em campo, além de ser com o objetivo de realizar experimentos, é também uma experiência sem igual. Cada campo pode ser diferente do outro e isso torna a atividade bem interessante; não saber o que pode ser encontrado pela frente – será que o tempo será favorável? Quais resultados vamos obter dos experimentos? Quantos mais poderão ser necessários para confirmar as hipóteses? – tudo isso, entre outras dúvidas que poderão surgir, faz nascer uma pontinha de ansiedade e de curiosidade a ser sanada. A primeira vez que fui a campo este ano foi em maio, com uma colega do laboratório, e até passamos na casa em Quissamã para visitar a galera que estava confinada; vi um ambiente de total dedicação, muitos experimentos espalhados pelo quintal – um trabalho que realmente estava exigindo bastante das pessoas envolvidas.
Estar em campo faz parte da nossa formação profissional e deve ser um trabalho realizado com presteza, zelo e, acima de tudo, confiança, para que os resultados sejam os melhores possíveis.
Nada é mais inspirador, nada é mais provocante, nada causa mais espanto do que estar no campo! Nada pode fermentar mais nossas cabeças de ecólogos. É um diacho de lugar!