Estudando um pouco mais sobre um dos temas da minha dissertação, as mudanças climáticas, deparei-me com uma questão: a vulnerabilidade que certos ecossistemas possuem em relação à alteração de certos fatores ambientais relacionados a essas mudanças no clima. Como exemplo, o Professor da Universidade de Melbourne, Jon Barnett, especialista nas questões sociais geradas pelas mudanças climáticas, citou as pequenas ilhas do Pacífico.
De acordo com o IPCC (2007), o conceito de vulnerabilidade está relacionado a três termos-chave: exposição, sensibilidade e capacidade de adaptação. Ao pensarmos em uma ilha, uma pequena faixa de terra cercada por uma imensa massa d’água, ou seja, totalmente exposta à variação no nível do mar, às alterações na precipitação (eventos extremos, como tempestades), ao aumento de temperatura e etc. A sensibilidade está relacionada ao perigo, sendo exemplificada pelo Professor como as casas dos habitantes dessa ilha. Casas mais frágeis, construídas com materiais menos resistentes, serão muito mais sensíveis à variação ambiental em seu entorno, o que, consequentemente, afetará os seus moradores. Por último, a capacidade adaptativa está ligada aos conceitos anteriores, envolvendo a capacidade de redução da exposição e da sensibilidade.
Continuando com a ideia da ilha, meus pensamentos foram teletransportados do Oceano Pacífico diretamente para a restinga onde trabalho, no norte fluminense. Pensei nas bromélias-tanque, minhas unidades experimentais, plantas capazes de armazenar água em um ambiente extremamente quente e árido. A bromélia-tanque do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba é uma ilha do Pacífico ao contrário!
A grande diferença está na matriz que a separa: para as bromélias, a areia constitui uma matriz intransponível para a maioria dos organismos que habitam a água presente nessas plantas; no caso da ilha, temos o mar exercendo o mesmo papel. Apesar do enfoque do material didático que eu estava acessando ser cunhado nas questões sociais das mudanças climáticas, como ecóloga, logo fiz uma analogia com o meu tema de pesquisa.
Uma bromélia-tanque em uma restinga está totalmente suscetível às variações na precipitação e aos aumentos na temperatura – não só a planta em si, mas para a bromélia enquanto ecossistema, habitat de microorganismos e macro/micrometazoários (zooplâncton e macroinvertebrados bentônicos, por exemplo). Com um maior intervalo de tempo entre os eventos de chuva e/ ou de alterações nas intensidades desses eventos, juntamente com um aumento de temperatura, temos uma redução na disponibilidade dessas manchas de habitat para os organismos aquáticos. Com uma redução na precipitação e um aumento na evaporação, toda restinga pode se tornar “uma matriz intransponível”, o que leva a uma redução na biodiversidade (lê-se riqueza de espécies) associada a esse ambiente.
No quesito sensibilidade, podemos pensar também nos “moradores” da bromélia. De maneira especulativa, imagino que a fauna associada às bromélias características da areia nua, como a espécie Achmea nudicaulis, podem ser mais sensíveis às oscilações ambientais do que aquela associada às bromélias presentes em moitas, como é o caso da Vrisea sp.
Da mesma forma, pode haver diferentes níveis de sensibilidade para a comunidade presente na água das bromélias de uma mesma espécie. As plantas maiores conseguiram armazenar um maior conteúdo de água proveniente de um único evento de chuva, enquanto que, as menores, conseguirão reter um menor volume e, assim, terão maiores chances de sofrerem eventos de seca.
Por fim, ao pensar em capacidade de adaptação, fui conduzida diretamente ao grupo que trabalho desde a Iniciação Científica, o zooplâncton. No caso das bromélias-tanque, talvez o termo mais adequado para tratar esse grupo seja “micrometazoários aquáticos”, já que, para haver plâncton propriamente dito deve haver uma coluna d’água e correntes, as quais os organismos não podem vencer.
O curto ciclo de vida dos grupos zooplanctônicos – em águas continentais, rotíferos, cladóceros e copépodes – permite uma rápida colonização dos habitats, assim como uma rápida resposta em relação às mudanças ocorridas no ambiente. Além disso, aqueles organismos que lidam com ambientes extremos e instáveis possuem estratégias de sobrevivência, tais como a quiescência, uma forma de hibernação estimulada por condições ambientais desfavoráveis, e a geração de ovos de resistência (diapausa), possibilitando respostas rápidas a oscilações na distribuição das chuvas, por exemplo. Seja para nós ou para os rotíferos, a capacidade adaptativa é uma característica-chave para a manutenção da existência de diversas formas de vida em um ambiente cujo clima está mudando.
Nos últimos anos, com a ascensão midiática de assuntos ligados às mudanças climáticas e ao aquecimento global, boa parte de nós, ecólogos, tem sentido a necessidade de trabalhos que ressaltem a Ecologia como uma ciência preditiva, capaz de entender e prever o comportamento da biodiversidade nesse novo contexto climático vigente.
Independente do ramo da Ciência ou grupo taxonômico escolhido, há questões que ainda precisam ser mais estudadas, como: 1) como as mudanças climáticas podem afetar as pessoas e a biodiversidade em geral?; 2) Como nós ou os demais grupos podemos nos adaptar?; 3) Que tipos de políticas e programas podem ajudar a reduzir a vulnerabilidade?
Dentre as questões citadas acima, eu e outros colegas do laboratório, orientados pelo professor Vinicius Farjalla, nos detivemos na primeira, tentando entender como alterações na precipitação podem afetar a comunidade aquática que habita as bromélias-tanque. Não é preciso recorrer a exemplos tão distantes como as ilhas do Pacífico para se evidenciar as respostas sociais e ecológicas às mudanças climáticas.
Seja em Tuvalu ou no Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, a complexidade das interações ecológicas no contexto climático emergente é hoje um dos “hot spots” da Ecologia, unindo o pleno exercício do pensar científico com a necessidade que, no fundo, vive em cada Biólogo, de ver os seus conhecimentos gerados sendo aplicados na construção de programas de medidas mitigadoras e de conservação do meio ambiente.
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