* Os textos dessa seção são opiniões pessoais dos autores e não representam a posição do Laboratório de Limnologia
Nos últimos meses tenho visto um número crescente de mensagens, postagens e debates sobre a profissionalização da carreira de pesquisador/cientista (apesar de serem sinônimos, daqui para a frente vou usar a expressão ‘cientista’ para me referir a essa carreira). Acredito muito na importância essa discussão, especialmente por conta da realidade trabalhista e dificuldades que um cientista deve passar ao longo de sua formação e carreira. Mas opiniões pessoais não são o foco desta postagem.
Em tempos de excesso de informação e coisas para fazer, tendemos a deixar de lado a arte de pensar sobre nosso cotidiano e demais coisas que nos cercam. Por conta disso, fica cada vez mais difícil perceber como pequenas coisas que acontecem no nosso dia-a-dia podem nos levar a reflexões que podem fazer toda a diferença em alguns momentos de nossa vida.
Um outro dia, teve um problema aqui em casa e precisamos chamar um bombeiro hidráulico. O cara chegou, olhou o encanamento…olhou, olhou, olhou…tirou um parafuso ali, trocou uma carrapeta aqui, não funcionou. Ele parou, pensou mais um pouco. Colocou a carrapeta antiga de novo, trocou a válvula. O problema já começou a se resolver. Trocou uma borracha de vedação e pronto: o problema estava resolvido. Pagamos pelo conserto e o cara foi embora.
Depois disso, fiquei pensando no comportamento do cara: (1) ele observou um problema, (2) formulou uma hipótese sobre a observação, (3) testou a hipótese dele, (4) a hipótese dele foi refutada, (5) ele formulou uma nova hipótese, (6) testou novamente a hipótese, (7) a hipótese foi parcialmente aceita, (8) ele modificou uma pequena coisa na hipótese dele, (9) testou a modificação da hipótese e (10) resolveu o problema. Algo que te soa familiar ao método científico?
Fiquei de cara com isso. Como poderia o bombeiro hidráulico (sem preconceitos) usar um método de teste de hipóteses similar ao que eu e muitos de nós (cientistas) utilizamos para testar nossas ideias? Será que o bombeiro hidráulico é tão cientista quanto eu? Será que eu posso ser um bombeiro hidráulico também? Por que será diabos que eu estou fazendo doutorado então? Por que ele usa o método científico e é bombeiro hidráulico, reconhecido pela a Lei, e eu uso o método científico sou considerado estudante de pós-graduação, também pela Lei? Por que?
Neste momento, acho oportuno você parar um instante e pensar nisso. Responda mentalmente a pergunta que vou te fazer agora: o que te faz cientista? Gaste algum tempinho pensando na resposta para essa pergunta. Pare de ler um pouco e pense. Não tem problema. É importante. Pense bem…se ser cientista é usar o método científico então o tal do bombeiro e qualquer outra pessoa que use o método científico é um cientista.
Eu fiquei empacado nessa resposta um bom tempo. Até recorri a uma artifício que alguns escritores usam quando estão escrevendo: fiz essa mesma pergunta para as pessoas do meu laboratório. Deixei essa questão duas semanas em nosso quadro e tive respostas cerca de 20 pessoas, dentre as quais alunos de graduação, mestrandos, doutorandos e até mesmo de alguns professores. As respostas ajudaram, mas não resolveram a questão. Isso só foi acontecer dois meses depois, durante uma defesa de dissertação de mestrado do laboratório.
Ok. Mas chega de suspenses. Aposto que você tá curioso para saber o que as pessoas responderam né? Ao contrário do que eu esperava como resposta, a maior parte das pessoas respondeu aquela questão com características. Sim, isso mesmo. O que fazia com que aquelas pessoas fossem cientistas era possuir algumas características: determinação, persistência, curiosidade, organização, sistemático, perseverança. Com a exceção de uma pessoa, todas elas listaram características. E você? Foi por esse caminho também? Se foi, não tem problema não. A pergunta é complicada mesmo. Não é o que você precisa ter para ser um cientista, mas o que faz com que você seja considerado (ou se considere) um cientista e não um estudante, um engenheiro, um arquiteto, um químico, um físico, um eletricista, um mecânico ou qualquer coisa assim. Não vale responder ‘fazer ciência’! Você pode ser um engenheiro e, no entanto, também ser um cientista! Mas o que faz você ganhar esse título de ‘cientista’? Não existe faculdade para isso!
Te coloquei para pensar? Espero ter conseguido e também espero que você consiga a sua resposta. Acho essencial cada um conhecer o máximo de si mesmo, para evitar tomar o caminho errado e depois ficar naqueles vícios de arrependimento do ‘se eu tivesse feito aquilo e não aquilo outro…’ (aqui tem um bom texto para isso). Vou compartilhar a resposta que dei para mim. Ela me ajudou muito e foi o caminho que encontrei para me motivar. Espero que você encontre a sua e que seja tão importa para você quanto é para mim.
Durante essa defesa de dissertação, eu observei que a pessoa apresentou (1) a observação de um padrão, (2) descreveu explicações para o padrão conhecido, (3) apresentou uma situação em que o padrão não ‘funcionava’, (4) baseado no que ela sabia, formulou uma hipótese para descrever o comportamento do padrão naquela condição, (5) testou a hipótese, (6) encontrou um resultado que corroborava parcialmente a hipótese dela, (7) explicou o resultado que bateu com a hipótese e (8) explicou porque o outro resultado que não bateu e, por fim, (9) sugeriu uma nova explicação para o padrão que ela havia observado. Você consegue traçar a diferença entre a forma como o bombeiro hidráulico e a pessoa que apresentou a dissertação encararam um problema ?
Até o passo 8 ambas as pessoas desenvolveram seu pensamento de forma muito similar. Mas o bombeiro hidráulico observou o problema e criou soluções conhecidas para resolver ele – nenhum método, abordagem ou solução nova foi desenvolvido no processo. Por outro lado, a pessoa que apresentou a dissertação não parou na explicação do resultado: ela foi mais adiante e propôs uma nova forma de pensar e abordar o padrão, ‘criando’ uma nova forma de lidar com o mesmo. Você percebe o que isso significa? O método científico está incrustado na nossa realidade e na nossa mente – usamos ele o tempo todo. A diferença é o que você faz com ele. Ao meu ver, o que faz com que alguém seja cientista (a pessoa que apresentou a dissertação, eu, você, qualquer pessoa) é a capacidade de buscar novas respostas e soluções para os ‘problemas’ do nosso dia a dia. O que te faz cientista é pensar diferente. É não se contentar com coisas já estabelecidas, é buscar inovar sempre.
É claro que pensar diferente não te deixa em uma zona de conforto. Novas respostas não vêm à sua mente o tempo todo, mas tendem a vir em pulsos, justamente naqueles momentos em que você menos espera (um domingo a tarde na rede ou aquele momento em que você está desligado olhando para o nada, por exemplo). Além disso, nem sempre a resposta nova é funcional – na realidade, muitas vezes ela te leva a um beco sem saída. Nesse momento, cabe ter aquelas características que meus amigos e companheiros citaram: um cientista deve ser persistente para conseguir suas respostas, deve ter paciência para lidar com as frustrações (e quando se trata de descobrir coisas novas, frustrações são constantes), deve ser organizado para conseguir fazer e pensar em muitas coisas ao mesmo tempo e, acima de tudo, deve ter um objetivo claro na sua cabeça sobre onde se quer chegar – essa é a sua âncora, a sua motivação.
Essa foi a minha conclusão. Não sei se você conseguiu enxergar as mesmas coisas que eu, mas fico satisfeito se te deixei com essa reflexão em mente. E, para fomentá-la mais um pouco, vou citar o trecho de um livro que li há algum tempo. Espero que te renda bons pensamentos.
O mundo moderno, a despeito de aparentemente confuso, complicado e ostensivamente enganoso, não é impenetrável, não é indecifrável e – desde que sejam feitas as perguntas certas – é ainda mais intrigante do que imaginamos. Basta adotar uma nova maneira de vê-lo. (Levitt S. D. & Dubner S. J., 2003. Freakonomics: o lado oculto e inesperado de tudo o que nos afeta)
Estou em busca de um cientista q faça de tudo q eu to precisando q faça uma coisa pra eu usar pra um proposito maior