Em um ambiente como o de restinga situado na região norte fluminense do nosso estado (e muito estudado pelo nosso grupo), encontra-se uma grande diversidade de ecossistemas aquáticos como as lagoas costeiras com diferentes graus de conectividade entre as poças. Já na porção terrestre da restinga vê-se outros tipos de ecossistemas aquáticos, como as bromélias-tanque. Com isso, muitas vezes esses ecossistemas se comportam como ilhas em meio às condições adversas na restinga.
Este post insere-se nas discussões de publicações anteriores dos colegas do laboratório a respeito da teoria de biogeografia de ilhas, metacomunidades e da importância da contribuição de fatores locais e regionais para a estruturação de comunidades em um ecossistema. Então o que se pretende contar de novidade?
Na verdade nos restringiremos à comunidade zooplanctônica, grupo de estudo da minha dissertação. Como já citado em publicações anteriores, esses microorganismos se dividem em grupos como rotíferos, cladóceros, copépodes e protozoários, mas por agora vamos focar nos três primeiros. No geral apresentam estruturas para se locomover na coluna d’água e para auxílio na alimentação, mas são incapazes de vencer as correntes. Por outro lado, insetos em fases aéreas e pequenos vertebrados são capazes de se dispersar entre esses ecossistemas bromelícolas de forma ativa, selecionando seu habitat. Mas como falar, por exemplo, de zooplâncton fora d’água? Como se dispersam entre essas “ilhas”?
Sabe-se que estes organismos não possuem estruturas que lhe permitem sair “por conta própria” de seu ambiente, mas por serem bem pequenos podem ser facilmente carreados pelo vento, pela água da chuva ou mesmo por outros animais maiores. Além disso, muitas espécies de rotíferos, por exemplo, apresentam formas dormentes de resistência à dessecação, o que lhes permitem resistir durante o deslocamento, enquanto as condições estão desfavoráveis. A essa estratégia de sobrevivência dá-se o nome de quiescência. Outra estratégia é a produção de ovos de resistência (diapausa), que só eclodem também quando as condições favoráveis retornam.
Partindo disso, você pode ser levado a pensar que os organismos zooplanctônicos podem ser facilmente encontrados em todos os lugares, ou seja, são cosmopolitas. Bom, já começo a falar que apesar de tratarmos como um grande grupo, existem diferenças de tamanho, ciclo de vida, formas de reprodução e alimentação, entre outros atributos (entre esses subgrupos e até dentro dos mesmos). Muitos estudos indicaram também que os potenciais de dispersão são distintos entre as espécies e, consequentemente, elas não se dispersam igualmente bem. Com isso pode-se pensar que espécies menos eficientes contribuem menos para a saturação do aporte regional de espécies, prevalecendo a influência de fatores locais e possivelmente aumentando a diversidade beta. Nesse caso, cabe ressaltar que o banco de ovos atua como outra via de restabelecimento da comunidade, contrabalanceando essa possível desvantagem dos maus dispersores.
A este ponto você já deve ter percebido que o sucesso de estabelecimento desses organismos depende de processos que ocorrem a nível regional como a dispersão e seus agentes até os que ocorrem a nível evolutivo, como as histórias de vida de cada espécie, levando-as a desenvolver características distintas de sobrevivência. Como a discussão não pára por aí, têm-se trabalhos que testam a resposta dessa comunidade (comparadas a outras também) quanto à contribuição relativa de fatores regionais ou espaciais e locais. O que se vê é um quadro interessante guiado predominantemente pelo determinismo ecológico, demonstrando efeitos mais consistentes das variáveis ambientais locais sobre comunidades de maior tamanho como os insetos – que apresentam dispersão ativa -, enquanto que as variáveis espaciais ganharam maior poder explicativo para o zooplâncton. Isso não implica em dizer que as variáveis ambientais não têm efeito sobre essa comunidade, pelo contrário. São muitos os estudos, incluindo os de colegas de laboratório, que encontram esse outro efeito em predominância. Cabe analisarmos o tipo de ambiente, escala de estudo, metodologia e comunidade avaliada para não generalizarmos nem adotarmos interpretações erradas.
Falando particularmente do meu plano – que esteve associado ao doutorado de uma colega nossa sobre fragmentação de habitats e manipulação de “arquipélagos” de bromélias – os resultados são um tanto quanto desafiadores. Minha comunidade apresenta-se, em muitas bromélias, sob a prevalência de uma única classe de rotíferos (Bdelloidea). Quando não, encontro alguns copépodes e outras espécies de rotíferos mais raros. E quanto aos cladóceros, nenhum. Isto pelo próprio grupo ser mais sensível a variações de temperatura, salinidade, turbidez e disponibilidade de alimento, visto que ambientes bromelícolas estão mais sujeitos a distúrbios do que uma grande poça, por exemplo. Obtive algumas amostras de aporte regional de espécies coletadas próximas às regiões dos arquipélagos. Nelas a presença de copépodes era mais expressiva e algumas chegaram a apresentar organismos do Filo Tardigrada. Estas amostras já demonstram uma diferença entre bromélias que ficaram expostas à chegada de novos organismos durante anos ou poucos meses.
Como meus objetivos tentam avaliar pela colonização de novos habitats a resposta da comunidade quanto à variação da área do arquipélago, é de extrema importância investir em estudos sobre a autoecologia das espécies que encontro nas bromélias. Neste meu caminho de análises à frente algumas perguntas me vêm à mente: quais variáveis estão atuando como filtros seletivos, se alguns podem ter desencadeado extinções locais e possíveis turnovers, sob quais circunstâncias pode-se predizer quanto aos efeitos de alterações na paisagem sobre a comunidade estudada…bom, muitas outras surgirão invariavelmente.
Em meio a tantas questões respondidas e a muitas outras a serem trabalhadas, não enxergue desafios como um errante em águas desconhecidas, mas como um ser capaz de colonizar outros ambientes mais favoráveis ao seu sucesso de estabelecimento.
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