Quem nunca assistiu a filmes e documentários que relataram sobre tubarões à procura de grandes cardumes, aranhas que elaboram teias para apanhar insetos, ou crocodilos à espreita de capturar um antílope que vai beber água em um rio? Pois é, essas são situações bem comuns que costumamos ter em mente quando nos é mencionada a expressão teia alimentar, teia da vida, ou algo assim.
Como podemos perceber as relações mencionadas acima são basicamente estabelecidas entre predador e presa, geralmente um carnívoro que se alimenta de um herbívoro ou de um possível detritívoro. Além disso, usam de diversas estratégias de predação, seja por busca ativa, por espera para um momento mais propício para a captura, dentre outras.
É possível imaginar também outras interações que constituem uma teia, como um urso panda se alimentando de brotos de bambu, ou mesmo um tronco de árvore passando por um gradual processo de decomposição, com uma variedade de espécies de cogumelos e colônias de bactérias. E quando pensamos em pirâmides ecológicas, o que vem à sua mente? Consegue encaixar tantas interações nesse tipo de representação da comunidade?
Neste espaço pretendo falar brevemente de um tema no qual venho me aprofundando recentemente, assim como espero fornecer algumas novidades para alguns de vocês.
Estudos sobre teias tróficas e suas diferentes formas de repercussão na estruturação de comunidades e de processos ecossistêmicos parecem ter retornado às recentes discussões de paradigmas da ecologia. Inicialmente, o conceito de teia trófica foi lançado por volta de 1880, e passado algum tempo, Elton (1927) e – um pouco depois – Lindeman (1942) trabalharam mais profundamente no tema, na tentativa de relacionar a posição das espécies na teia com seus respectivos tamanhos de corpo sob a forma de pirâmides ecológicas. Nesse sentido, deu-se início a diversos trabalhos que pretenderam explorar essa visão de particionamento da comunidade em níveis de transferência de energia.
Primeiramente, as pirâmides eram de “números”, organizadas por classes de tamanho do corpo e abundância de todos os organismos em cada classe. Mais tarde as mesmas foram reexpressas em termos de biomassa, produção e, eventualmente, em nível trófico. Em sequência, o reenquadramento das camadas das pirâmides em níveis tróficos passou a dominar – e continua até hoje – os textos de ecologia.
A partir disso, duas vertentes principais começaram a buscar respostas sobre quais fatores estariam regulando e promovendo mudanças ao longo dos níveis tróficos. Uma delas explicava que forças “bottom-up” direcionariam mudanças a partir da base da produtividade do sistema, e que os demais níveis aumentariam em biomassa de acordo com essa base. Já outra linha era “top-down”, e seus defensores argumentaram que cada nível seria regulado por competição de recursos e predação e que o número de níveis tróficos em um ecossistema determinaria sua estrutura. Esta última perspectiva ganhou atenção de estudiosos de ecossistemas aquáticos, com potencial para biomanipulação, contando com evidências em trabalhos experimentais. A perspectiva “bottom-up” também ganhou inúmeros estudos em sistemas aquáticos e padrões de covariação positiva entre plantas e herbívoros em sistemas terrestres. Apesar de confrontarem diferentes vias de regulação da teia, sabe-se que nenhuma delas ocorre exclusivamente e que a manutenção desse dualismo é artificial e pouco informativo. Mas afinal, somente essas forças que estariam regulando a forma das pirâmides tróficas?
É interessante notar também as divergências de versões de pirâmides entre ecologistas terrestres e aquáticos, já que a importância entre tamanho do corpo e identidade taxonômica era relativa dependendo dos organismos estudados. O conceito de nicho predominou em estudos de ecologia terrestre, provavelmente pela dominância do crescimento determinado, enquanto que as mudanças na função eram mínimas. Por outro lado, em sistemas aquáticos, onde mudanças ontogenéticas na dieta são comuns, foi mais plausível adotar uma visão baseada no tamanho do corpo. Contudo, o fato da predominância da onivoria em muitas teias nos força a repensar o papel funcional do tamanho do corpo.
Logo, essas vertentes baseadas no espectro de tamanho descrevem a taxa com que a abundância ou a biomassa mudam com o tamanho do corpo, e como já comentado, é um padrão consistente em sistemas aquáticos. Houve tentativas de explicar estas vertentes, por modelos estocásticos nulos ou por interações predador-presa, baseando-se na transferência de energia e nas relações de tamanho entre predador e presa. Além disso, recentes trabalhos vêm buscando unir essas informações com predições de hipótese de equivalência energética com o intuito de estimar um patamar para o espectro de tamanho, e então gerar resultados para situações de ausência de distúrbios antrópicos.
E nesse sentido, temos que as pirâmides ecológicas são influenciadas pelas mesmas características que controlam as vertentes do espectro de tamanho: transferência de energia e razão da massa predador-presa. Com isso, é possível predizer certos padrões de forma de pirâmide, se seguem uma perspectiva “bottom-up” ou “top-down”, ou mesmo um meio termo delas. Ao mesmo tempo é importante avaliar cada caso quanto às diferentes vias dos compartimentos, se a abordagem trabalhada não está mascarando as verdadeiras entradas e saídas do sistema.
Distante de ser trivial, esse assunto vem se subdividindo em inúmeros trabalhos observacionais, manipulativos e de modelagem. Por exemplo, sabe-se pouco sobre como padrões de acoplamento das teias sofrem influência de gradientes ambientais e espaciais, e o que se sabe até então foi realizado em escalas mais locais e somente com uma fração das mesmas. E para você, o que mais te intriga nesse assunto?
De fato um texto bastante intrigante!!!!
Faço aqui um resumo do que entendi do que foi exposto.
As pirâmides ecológicas são avaliadas a partir de uma perspectiva mais fenomenológica, populacional ou de comunidades (Biomassa total, densidade de indivíduos, etc… e como estes se relacionam com características ambientais). Já essa vertente colocada no texto “espectro de tamanho”, me parece ser estudada e interpretada a partir de uma abordagem mais mecanicista, a partir de características funcionais dos indivíduos ou espécies.
Na minha opinião, a construção dialética de vários temas na ecologia, e para a teoria trófica não é diferente, carece da fase de síntese.E isso mais ou menos, resume o que foi colocado. A origem é fenomenológica (Pirâmides), a tese é a abordagem populacional (interações), a antítese é a abordagem individual-funcional (evolutivo), e a síntese ainda estar por vir.
O que mais me intriga é a construção desta síntese. Ainda hoje fazemos uma comparação dicotômica da natureza de interações tróficas, é isso ou é aquilo. Assim como na Ecologia de comunidades fazemos uma comparação dicotômica entre nicho e neutro.
Precisamos de uma teoria trófica unificada, e o estudo de dinâmicas Eco-Evolutivas pra mim seria o caminho mais promissor.
Você colocou bem o que quis dizer no post, Rafael!! Essa é uma das áreas da Ecologia que realmente necessita de uma nova visão, que mude essa dicotomia.
Ao meu ver, a vertente sobre “espectro de tamanho” foi inicialmente construída para suprir uma certa demanda pela organização trófica dos sistemas ecológicos, mas justamente por apresentar um certo caráter mecanicista não parece ser mais sustentável diante de tantas lacunas que surgem. De fato, esta síntese talvez seja a maior delas.
É um caminho que se estende tanto em interesse quanto em complexidade.
E obrigada pela força! Vamos em frente!!
Esqueci de dizer que você está indo por um caminho muito legal Alicinha. Muito complexo também! Isso é muito bom!
Pois é!
Acredito que muitas coisas em ecologia estão indo para essa fase de síntese.
A ecologia tradicionalmente é a ciência do ‘tudo’ tem explicação. Temos meio milhão de fenômenos descritos e um milhão de mecanismos para explicar. Fica difícil prever exatamente como as coisas funcionam assim, não é?
Enfim, parabéns pelo post Alice, ficou muito bom e também acredito que você está no caminho certo!
Então… nesta linha de pensamento, acabei de postar no meu facebook, mas coloco aqui também.
Deem uma olhada nesta matéria: http://news.sciencemag.org/biology/2014/08/ecology-explaining-less-and-less
o artigo é este: http://www.esajournals.org/doi/abs/10.1890/130230
Estamos aumentando tanto a complexidade dos nossos modelos (experimentos, etc…) que estamos explicando cada vez menos coisas! É muito importante esta constatação!