Assim como na maioria das outras ciências, modelos matemáticos são os alicerces da teoria moderna da Ecologia. Desta forma, a inferência de causalidade, ou seja, a relação de causa e efeito entre variáveis exploradas através de modelos matemáticos, têm se tornado cada vez mais popular entre ecólogos e automaticamente assumem uma grande importância na construção do conhecimento ecológico.
Dentro do campo da modelagem matemática aplicada a Ecologia, uma aparente dicotomia existe entre modelos baseados em processos (também conhecidos como modelos mecanicistas) e abordagens estatísticas (também conhecidos como modelos fenomenológicos) no estabelecimento de causa e efeito entre variáveis ecológicas.
Se nós assumirmos um determinado conjunto de dados quaisquer, podemos definir modelos mecanicistas e fenomenológicos da seguinte maneira:
Modelos mecanicistas: Uma relação hipotética entre variáveis num conjunto de dados onde a natureza da relação é especificada em termos de processos biológicos, que são estabelecidos para gerar o conjunto de dados. Os parâmetros nos modelos mecanicistas possuem definições biológicas específicas e portanto podem ser mensurados independentemente do conjunto de dados. Equações diferencias usualmente são utilizadas neste tipo de modelagem.
Modelos fenomenológicos: Uma relação hipotética entre variáveis num conjunto de dados onde a relação procura melhor descrever os dados. Um modelo estatístico negligencia qualquer tentativa de se explicar porque as variáveis interagem da forma que interagem. A regressão linear é um modelo comum para este tipo de descrição.
Mas qual destas abordagens seria a melhor? Qual destas abordagens é a mais comumente utilizada? De forma geral, assumimos que modelos mecanicistas facilitam o entendimento biológico, entretanto, novas descobertas sobre mecanismos relevantes para o funcionamento de determinado sistema são em geral obtidos a partir de abordagens fenomenológicas. Em comum, ambas as abordagens buscam fazer predições a respeito de diferentes fenômenos da natureza e a escolha entre ambas as abordagens irá depender dos objetivos da modelagem.
A relação entre modelos ecológicos e causalidade, e seus problemas, pode ser ilustrada a partir da analogia com outras disciplinas. Para a maioria dos problemas, em condições reais, na física, química ou economia modelos de simulação se mostraram satisfatórios para analizar e predizer o comportamento dos sistemas. No entanto, sistemas ecológicos, sejam populações ou mesmo ecossistemas, independente da hierarquia organizacional, são complexos em sua natureza e portanto uma abordagem diferenciada para lidar com problemas complexos é necessária. Desta forma, sempre foi um problema na ecologia estender abordagens numéricas de sucesso em outras disciplinas, para lidar com problemas ecológicos. Dentre estes problemas destacam-se a dificuldade de parametrização de modelos ecológicos, em função da falta de conhecimento mais especifico sobre o funcionamento de diversos sistemas ecológicos, e pelo fato de que certos comportamentos de um sistema qualquer podem ser gerados, de forma idêntica ou semelhante, através de diferentes parametrizações ou mesmo modelos. Modelos fenomenológicos também não estão livres de falhas. Um bom ajuste de um modelo a um conjunto de dados não necessariamente implica em realismo dos parâmetros estimados nem na conformidade da estrutura do modelo. Um exemplo clássico é a utilização de modelos de correlação/regressão para inferir a importância relativa de variáveis ambientais em populações naturais, quando as mesmas são reguladas por mecanismos denso-dependentes. Uma vez que modelos de sistemas complexos se tornam pouco confiáveis em função de seus problemas inerentes, modelos em ecologia assumem em geral uma abordagem pragmática, se focando em relações empíricas mais simples.
O entendimento do funcionamento do sistema estudado é fundamental não apenas em modelos mecanicistas de causa-efeito mas também na construção de relações estatísticas. Os valores computados para os parâmetros num modelo estatístico, por exemplo, são dependentes da estrutura de correlação entre as variáveis categóricas utilizadas e das variáveis relevantes que não foram incluídas. Isto implica que se essa estrutura de correlação é afetada por uma medida, o modelo não pode ser utilizado mais para o estabelecimento de causa e efeito. Em outras palavras, ele perde sua capacidade preditiva. Como exemplo podemos citar a distribuição espacial de plantas submersas em lagos rasos, que está bem relacionada com a profundidade e transparência da água, usualmente observado através de modelos de regressão (Scheffer 1997 – Ecology of Shallow Lakes). Entretanto se utilizarmos este modelo para predizer a variação na distribuição de plantas em função do aumento na transparência a partir da redução do estoque de peixes (biomanipulação), certamente teremos resultados errados pois a relação natural entre transparência e outras variáveis que afetam a distribução de plantas submesersas como nutrientes e perifíton terá mudado em função desta medida. Desta forma, predições de uma ecologia pragmática através de modelos de regressão também requer um conhecimento aprofundado do sistema de estudo a fim de se evitar conclusões erradas.
No entanto, uma questão crucial ainda permanece negligenciada: como determinar mecanismos dominantes em sistemas ecológicos e desenvolver modelos preditivos acurados? Este objetivo requer a construção de modelos baseados em abordagens experimentais e em estudos descritivos apropriados. No entanto, a lógica clássica hipotético dedutiva de se fazer ciência assume que as hipóteses que competem para explicar determinado padrão são mutualmente exclusivas. Na Ecologia, múltiplos mecanismos podem agir em conjunto para explicar determinado padrão. Desta forma a construção e interpretação de modelos ecológicos deve levar em consideração que determinado fenômeno pode ser causado (explicado) por diferentes mecanismos. Segundo, estes mecanismos possivelmente atuam em condições distintas, o que resulta numa contexto dependência dos mecanismos relevantes para explicar determinado processo. A falha em identificar estas propriedades e limitações na descrição e resolução de problemas ecológicos, e consequentemente em modelos ecológicos, contribuiu para o afastamento entre ecólogos empíricos e teóricos e, portanto, para o desenvolvimento da ecologia. Modelos em geral não buscam explicar o funcionamento de todo o sistemas mas acabam focando-se em mecanismos específicos. Ainda assim, quando uma descrição qualitativa e quatitativa precisa do sistema é necessária, esses modelos precisam incluir o maior número de componentes relevantes possíveis. A parte mais importante na interpretação de modelos matemáticos é que sua interpretação deve ser feita com base na sua formulação e seus objetivos. Ou seja, uma modelo nada mostra além dos resultados obtidos a partir dos processos e relações incorporadas em sua formulação. Explicações alternativas sobre relações de causa e efeito de sistemas ecológicos podem ser incorporadas em modelos quando os resultados de um modelo são contra intuitivos. Modelos também são úteis quando determinadas respostas são difíceis de serem obtidas intuitivamente.
Em resumo, a aplicação de modelos na Ecologia complementa programas de pesquisa aplicados uma vez que corrobora na identificação de mecanismos que determinam padrões ecológicos e serve de ferramenta para a identificação de novos mecanismos. Na tentativa de se estabelecer uma relação de causa e efeito, seriam modelos mecanicistas melhores (mais preditivos) que modelos estatísticos? Num modelo estatístico uma correlação pode ser espúria mas o mesmo pode acontecer num modelo mecanicista se a estrutura do modelo não for adequada, uma vez que modelos distintos ou parametrizações distintas podem gerar comportamento semelhante. O problema central que ecólogos precisam lidar é que a abordagem reducionista olha para níveis basais de menor escala avaliando mecanismos que explicam fenômenos ecológicos. Mas em sistemas hierarquicamente organizados, como a ecologia, os níveis superiores e restrições em grande escala são tão importantes quanto, na medida que podem afetar o comportamento de mecanismos que atuam em menor escala. Desta forma, enquanto tentamos pensar de baixo pra cima com modelos mecanicistas e de cima pra baixo com modelos fenomenológicos, ambos podem revelar importantes processos ecológicos. Em função desta problemática a construção de modelos em ecologia se tornou bastante pragmática, em outras palavras, modelos particulares são construídos para lidar com situações particulares. No entanto, por mais que o objetivo de um modelo seja fazer predições procurando estabelecer de forma apropriada relações de causa efeito, de forma mais geral, o crescimento científico é atingido quando maximizamos de forma conjunta o poder de predição e o entendimento. Muitas vezes adquirimos um conhecimento maior do funcionamento de determinado sistema com um modelo que pode ter pequeno poder de explicação. Desta forma, poder de predição é um importante critério para avaliar modelos ecológicos, mas entendimento também é outro critério importante, mas muitas vezes muito mais difícil de se quantificar. Esta dificuldade se dá especialmente porque podemos aprender bastante com os sucessos ou fracassos de um modelo, mas somente podemos aumentar seu poder preditivo quando o mesmo é correto.