
Querid@s Limnólog@s e Amig@s da Limnologia,
Queria conversar um pouco com vocês sobre o tema da comunicação da ciência. Obviamente ela ocorre quando publicamos um artigo cientifico, mas ocorre também e cada vez mais frequente quando escrevemos cartilhas repassando o conhecimento que geramos, para executar um processo, resolver um problemas ambiental, implantar uma cultura ou um tratamento qualquer. Os agrônomos fazem muito isto, com muita competência. Mas com muita frequência isto não nos satisfaz, cobramos mais e também nos cobram mais também. E nos vemos com recorrência em meio a esta discussão, sem fim, que acho tem duas posições básicas relevantes: os cientistas mais ortodoxos pensam que comunicar ciência é tarefa para comunicador, jornalista; já uma outra parcela de cientistas acha que comunica melhor o autor da pesquisa e se enfiam de alguma forma nesta dualidade entre o laboratório e a rua. Mas não há dúvida que sobram críticas para todos e quem tenta abraçar o mundo muitas vezes se aborrece, se cansa e se pega em choradeiras. É difícil fazer, ao mesmo tempo, boa e constante pesquisa, dar muitas e boas aulas e mostrar a todo mundo, com clareza, a boa ciência.
É… curioso, temos uma certeza cega na ciência, sua importância e seu poder (às vezes acho que é quase uma fé, uma crença), mas quando se trata então de mostrá-la, o fazemos apenas aos nossos pares, de preferência numa excelente revista lá de fora, lá de longe, em inglês. Afinal, minha cega certeza segue me dizendo que é assim mesmo, boa ciência resiste a tudo e a todos e amanhã meus achados estarão salvando lagoas, diminuindo as agruras do clima, protegendo águas e seus seres. Serão pedras (quiçá basilares) do edifício do conhecimento limnológico universal. Basta ter calma, paciência e deixar o mundo girar. É… pode ser. Mas talvez não seja e por isto decidi escrever-lhes esta carta para confidenciar-lhe (mas não precisa ser segredo, claro que não).
Quando penso em como gostaria de comunicar ciência penso em outra forma, em levar uma ciência que ilumina a escuridão, uma vela no escuro que espanta os demônios que assombram o mundo (sensu Sagan), que ao iluminar espanta os demônios da ignorância, da corrupção e da usurpação. Uma ciência que facilita, fomenta e possibilita a participação. É levar um modo de ver e viver, o do contexto em que produzimos ciência, o qual, ainda que submetido a algumas formas de determinação, goza de autonomia para realizar escolhas. E gostaria de falar de ciência desta forma porque penso que fazemos ciência para entender e manejar o mundo. Ela tem que ser útil, ser prática, ser ferramenta. Aliviar a dor, dar prazer e como construção humana que é, promover a equidade, a justiça e o respeito entre seres humanos.
Estou chovendo no molhado? Estou falando do óbvio? Acho que concordamos nisto. Mas acho que concordamos também que quanto a este tema, fazemos pouco (Lembram que falei de cobrar e ser cobrado?). E sabem por que? Porque falta-nos o convencimento, falta-nos a convicção, falta-nos a reflexão sobre o tema, o que de fato nos fará fazer. Insisto: Por que comunicamos ciência de menos? Por amor à escuridão? Por medo dos demônios?
Eu penso que existem as razões práticas. E não quero falar delas. Seria voltar à choradeira. São causas importantes, mas são secundárias. Para mim a causa primária reside no fato que aprendemos e consequentemente também ensinamos errado a fazer ciência. Como assim? Errado não no método em si… mas na forma como um todo. Explico. O nosso fazer ciência é um fazer mutilado, é um fazer irresponsável, incompleto, inconsequente. Nossa ciência flutua, não tem contexto, não tem história, não tem sujeito, não tem vínculos nem obrigações. É um fim em si mesma. Nos apegamos e nos beneficiamos do rótulo de excentricidade do cientista e isto basta. Basta porque afasta, basta porque protege, basta porque mistifica, basta porque é mais fácil, é mais cômodo e é mais esnobe. Pode bastar, mas não comunica. E o filósofo do sábado à tarde, o maior comunicador deste país já dizia: “Quem não se comunica se trumbica (se dá mal)”.

E pode ser que vocês ainda insistam: E como não se trumbicar? Além do que já disse, penso que comunicar a ciência implica em reconhecer sua importância, mas também as suas limitações; em reconhecer que fazemos ciência em um contexto social e econômico que é de dominação e exclusão, que a ciência não é neutra e que por fim a sociedade para a qual devemos comunicar nossa ciência não é composta apenas pelos nossos pares e está muito longe de ser homogênea. E existem dificuldades. Querem um exemplo? Há muitos anos, estávamos nos debatendo à beira da lagoa com a maior concentração de mosquitos por m3 do mundo, quando um bêbado chegou e perguntou para meu amigo cientista (eu era estagiário) o que estávamos fazendo ali. O cientista pacientemente começou a explicar e o bêbado, sem muita paciência, retrucou logo perguntando se aquilo servia para alguma coisa, ao que o cientista, sem muito titubear e esmagando uma centena de mosquitos em um tapa, respondeu: – Serve para eu virar doutor! Não está errado o bêbado, não está errado o cientista.


E talvez nos ajude a entender um pouco mais tudo isto uma frase do formidável (que dá medo) Gabo (O Gênio) que se foi há pouco tempo, em seu romance Do amor e outros demônios, de 1947:
“¿ningun loco esta loco si uno se conforma con sus razones..?
Até, com estima e consideração.







