Dentre os temas da ecologia que vêm tendo maior destaque nas últimas décadas, destacam-se as discussões acerca do papel da biodiversidade no funcionamento de ecossistemas. Toda esta relevância mostra-se muito pertinente quando observamos significativo declínio local e global do número de espécies ocorrendo em vários ambientes. Estamos perdendo biodiversidade, e certamente devemos nos preocupar com as potenciais consequências deste fato.
Diversos estudos mostram que ocorre alteração significativa em algumas funções ecossistêmicas a medida que o número de espécies diminui, mas a maior parte destes trabalhos foram baseados em experimentos envolvendo manipulação de poucas espécies em diferentes combinações (neste ponto não devemos generalizar, pois certos experimentos, especialmente envolvendo microorganismos, foram capazes de lidar com números maiores de espécies). Ainda assim, ficamos presos em abordagens reducionistas, já que o número de espécies que conseguimos manipular não é comparável ao que encontramos, por exemplo, em um riacho da mata atlântica.
Os principais questionamentos que podemos tirar de todos estes trabalhos se resumem na distinção entre RIQUEZA e IDENTIDADE. O que importa mais – o número de espécies ou a riqueza funcional? A perda de muitas espécies ou a perda de espécies desproporcionalmente importantes? Diferentes espécies têm contribuição relativa diferenciada para as funções do ecossistêma.
Sendo assim, para que possamos prever as consequências de extinções para um ecossistema, precisamos determinar os principais fatores que influenciam a variação interespecífica no efeito sobre os processos. Que características tornam uma espécie mais ou menos relevante?
Para discutir este assunto, vamos imaginar um sistêma modelo. Nosso sistema irá consistir em um formigueiro e um pote de açúcar. O processo ao qual iremos nos referir, é o transporte do açúcar para o formigueiro. No nosso modelo, diversas espécies de formigas habitam o formigueiro, e realizam o transporte do açucar. No entanto, as espécies de formigas são diferentes entre sí. Na figura abaixo, podemos observar algumas destas espécies. Podemos observar diferenças em alguns aspectos, como tamanho corporal, presença de listras e tamanho da mandíbula.
O que devemos perguntar é: quais destes fatores influencia a capacidade que cada espécie tem de transportar açúcar? Podemos fazer inferências, considerando por exemplo que formigas maiores realizam o transporte de mais material, ou que formigas com mandíbulas maiores estão mais preparadas para se defender caso algum organismo hostil apareça. No entanto, nada podemos dizer sobre a influência da presença ou ausência de listras no processo em questão. Para obtermos resultados mais acurados, precisamos observar. E para determinarmos a contribuição de cada espécie de formiga para o processo, precisamos também determinar a abundância relativa de cada espécie.
A fórmula acima mostra o somatório da contribuição relativa de cada espécie, sendo “N” o número de espécies, “c” a contribuição per-capita de cada espécie no processo (quanto açúcar cada formiga transporta por unidade de tempo), e ”x” a abundância relativa da espécie. Temos então o somatório total do processo ecossistêmico, ou seja, a quantidade de açúcar roubado pelos insetos! E utilizando estatística, podemos encontrar correlações entre a contribuição individual e os aspectos das formigas (tamanho, coloração, etc)
Vamos então às extinçoes! Agora que temos acesso aos dados de interesse no nosso modelo, podemos matar formigas! Para tanto, iremos remover espécies do somatório e acompanhar variações no total. No entanto, temos que considerar que as outras espécies vão aumentar a abundância relativa.
Sendo “n” o número de espécies extintas, a fórmula acima mostra o somatório do processo após determinado número de extinções locais. Sendo assim, podemos prever alterações no açúcar transportado ao longo da redução dos tipos de formiga que o fazem. Mas e o P?
Neste ponto, é importante considerar que as espécies não desaparecem por acaso. Extinções locais e globais estão relacionadas a mudanças no ecossistema, que irão torna-las menos aptas. Alguns exemplos de mudanças são a introdução de novas espécies competidoras , predadoras ou parasitas, mudanças na temperatura, características do solo, e diversas outras possibilidades. Para incluirmos estas questões no modelo, utilizamos o “P”, que é a probabilidade que cada espécie tem de ser extinta.
Além de nos ajudar a entender a forma com que processos ecológicos podem ser influenciados por extinções, o que podemos fazer com estas informações? Unindo todo o caminho que fizemos, temos uma relação entre os aspectos funcionais de cada espécie e as consequências de sua extinção. Se fizermos isso em um número expressivo de formigueiros imaginários, com uma variedade considerável entre estes formigueiros, podemos até mesmo criar generalizações. Estas generalizações poderiam ter diversas utilidades! Digamos que encontrássemos, por exemplo, um formigueiro ameaçado. Apenas olhando as formigas, poderemos saber o que vai acontecer com o açúcar depois que os tipos de formigas mais vulneráveis sumissem.
Não podemos no entanto ignorar o universo de possibilidades que não estão diretamente inseridas no modelo. E se a presença de algumas espécies com mandíbulas maiores fornecer a segurança para as formigas mais eficientes? E se a abundância relativa das formigas não acompanhar padrões equilibrados, e uma espécie se tornar dominante? E se algumas espécies de formiga tiverem eficiência muito variável em diferentes estágios da vida? Ao montar um modelo, devemos nos esforçar para torna-lo o mais real possível, mas sem esquecer que existirão exceções, e estas devem ser discutidas e consideradas.
Vamos então transportar o modelo para o mundo real. O ecossistema será um riacho de mata atlântica, os organismos serão macroinvertebrados, e o processo será a reciclagem de nutrientes através da excreção. Poderemos relacionar aspectos funcionais e variação interespecífica no processo? Desta forma, será possível prever efeitos de perda de espécies em vários quadros de distúrbio, manipulando a vulnerabilidade das espécies? Será possível fazer inferências gerais em relação a ecossistemas semelhantes baseando-se nos aspectos funcionais investigados? Sejam pacientes, voltarei aqui para contar o que descobri!
(Agradecimentos ao prof. Dr. Rafael Guariento)
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