Meu nome é Pedro Barbosa e sou aluno de doutorado em Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nascido em Belo Horizonte – MG, e tendo crescido no interior do estado, e participado desde criança, de coletas com meus pais, a natureza sempre chamou a minha atenção. Quando chegou a hora de decidir o que eu queria fazer por toda minha vida, poucas opções surgiram na minha cabeça, sendo a mais chamativa a profissão de Biólogo. Assim sendo, cursei Ciências Biológicas na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC) e, logo de cara, me encantei pelo ramo da Ecologia, parte da Biologia que estuda a interação entre os seres vivos e o meio ambiente ao seu redor. Terminado o curso de graduação resolvi me especializar nessa área e, para isso, optei pelo mestrado, uma vez que este me permitiria estudar, tanto na teoria quanto na prática, o ramo que me chamou tanta a atenção. Filho de pais biólogos, professores universitários, fui encorajado a mudar de ambiente; a sair da minha “zona de conforto”, uma vez que eu já estava havia mais de 5 anos, no mesmo laboratório de pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais. A ideia era buscar novos ares, conhecer novos pesquisadores e novas áreas do conhecimento. As opções eram muitas, e a escolha, difícil. Depois de muita reflexão, optei por ingressar no Programa de Pós Graduação em Ecologia (PPGE) da UFRJ. Mal sabia eu que, a partir dali, minha vida iria mudar completamente.
Assim que cheguei ao Rio, na minha primeira conversa com meu orientador, Dr. Vinicius Farjalla, chegamos a conclusão que a minha maior contribuição para a ciência seria trabalhar com a parte de emissão de gases de efeito estufa nas lagoas costeiras do norte fluminense, local onde o nosso grupo já vinha realizando diversos estudos. Como eu já havia trabalhado com o tema, aceitei logo o desafio. Comecei a ler bastante sobre os lagos da região e entender o funcionamento daqueles ecossistemas. Mas daí veio uma notícia perturbante, a verba para a realização das coletas e análises ainda não havia sido disponibilizada, uma situação mais que comum na ciência mundial. Quanta agonia! Foram mais de 3 meses de espera, apenas refletindo sobre o que poderia ser feito, e qual a melhor maneira de fazê-lo. Como o dinheiro não saia e meu tempo de mestrado estava correndo, uma solução inesperada surgiu para me tranquilizar. A convite de um colega de graduação, que havia se mudado para a Amazônia para fazer mestrado, fui chamado para ingressar num projeto de “mega – escala”, muito maior do que qualquer coisa que eu já havia participado! A ideia principal era percorrer as bacias dos rios Negro e Solimões, amostrando em todos os principais tributários desses dois grandes rios, além de lagos e outros ambientes daquela região. Inicialmente fiquei assustado com a magnitude do projeto. Acostumado a trabalhar nos lagos do Parque Estadual do Rio Doce (PERD), em Minas Gerais, considerados pequenos, o frio na barriga foi inevitável. Mas a oportunidade era única! Iria trabalhar num lugar simplesmente mágico, ainda mais para alguém interessado em água, sob a co-orientação de um dos maiores especialistas em águas amazônicas, o Dr. Bruce Forsberg.
As coletas, assim como todo o restante, eram bem diferentes das que eu estava acostumado em Minas Gerais. Ao invés de alojamentos e laboratórios, tínhamos um grande barco regional, que nos serviria de casa, laboratório, refeitório, sala de reuniões e tudo mais o que fosse necessário. Aquele grande e precário barco seria nosso lar durante muitos dias e muitas noites. Não havia tempo para descanso. A ideia era acordar bem cedo e explorar ao máximo os vários ambientes da região. Pesquisadores de diversas áreas da biologia como ictiologia, genética, herpetologia e biogeoquímica se dividiam em pequenos botes com motor, a fim de otimizar o tempo que tínhamos. Era uma loucura! Mas uma loucura organizada e com um propósito: explorar ao máximo aquela região.
Desta exploração louca pelos rios e lagos da Amazônia eu pude desenvolver minha dissertação sobre gases de efeito estufa na região. Os resultados encontrados foram, ao mesmo tempo, assustadores e intrigantes. A análise em grande escala que havíamos feito, nos permitia reforçar a ideia já proposta na década de 80 por pesquisadores como Allan Devol e Jeffrey Rickey, de que a região amazônica era uma grande fonte de gases de efeito estufa para a atmosfera, desempenhando um papel muito importante na ciclagem regional e global de carbono. Porém, mais do que nos mostrar que aqueles pesquisadores estavam corretos, essa “viagem épica” em busca do conhecimento nos levantou questões ainda não exploradas! Questões essas que deveriam ser estudas mais a fundo, com o objetivo de complementar nosso conhecimento sobre o ciclo do carbono, principalmente em ambientes tropicais. E daí surgiu a ideia de uma nova “jornada em busca do conhecimento”.
Ainda em parceira com o mesmo amigo de graduação que me “apresentou” a Amazônia, começamos a pensar sobre um novo plano para estudar os gases de efeito estufa, agora numa abordagem mais pontual, focada em entender os processos que regulam a emissão desses gases para a atmosfera. Dessa vez, ao invés de explorar uma vasta área com diferentes rios e lagos da região, optamos por focar em um único ambiente, heterogêneo o suficiente para nos permitir explorar as diferenças espaciais necessárias para uma compreensão mais detalhada da dinâmica dos gases dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4), os dois maiores vilões do efeito estufa. Para tal escolhemos o Lago Janauacá, um típico lago de planície de inundação amazônica, que se conecta ao Rio Solimões por meio de um canal com 12 km de extensão. A grande heterogeneidade deste lago, com regiões de bancos de macrófitas, floresta alagada e água aberta (espelho d’água), além de suas diferentes fontes de carbono, sendo o Solimões a principal fonte ao norte e os igarapés que drenam regiões de terra firme a principal fonte ao sul, tem nos permitido um estudo completo de típicos ecossistemas amazônicos. Além disso, a proximidade com Manaus torna a logística um pouco mais simples do que a anteriormente executada por nós, onde qualquer material esquecido estaria a pelo menos 800 km de distância, que deveria ser percorrida a barco!
Assim sendo, em março de 2014 ingressei novamente no PPGE da UFRJ, dessa vez como aluno de doutorado. Com apenas algumas coletas realizadas, já foi possível identificar alguns resultados bastante interessantes. Os fluxos de CH4 variaram em função da profundidade, com maiores valores ocorrendo durante o período de águas baixas. Além disso, identificamos que a contribuição dos fluxos noturnos para o total de CH4 emitido no dia varia sazonalmente, aumentando á medida que a profundidade aumenta. Tal fato ressalta a importância das mensurações de fluxo de gases em diferentes horas do dia, ao se fazer estimativas locais e regionais. Atualmente, tais estimativas são feitas com base em uma ou poucas medidas de fluxo durante um período do ano e, por isso, podem estar altamente sub-estimadas. Ou seja, vemos um alto potencial de contribuição científica para o presente trabalho. As ideias são outras, as pessoas são outras (a maioria pelo menos) e, com certeza, as ambições são outras! Mas todas motivadas pela mesma razão que me fez começar na Biologia: a curiosidade sobre os fatores que movem o mundo! Estou mais que pronto para mais essa aventura! E tenho certeza que não estarei sozinho.
Muito interessante e, principalmente, muito instigante este belo relato do Pedro! Tenho certeza que ao ler estas impressões outras pessoas e principalmente jovens serão chamados para viver esta aventura que é nossa vida de limnólogos/ecólogos! Parabéns pela iniciativa e ótima escolha de palavras e formas para descrever seu belo trabalho Pedro!
Com admiração e votos de muito sucesso,
Francisco Barbosa – seu pai!