Quem nunca ouviu falar do “habitat”? No ensino médio esse conceito surgia nas aulas de ecologia e era prontamente definido como o local onde determinada espécie vive. Isso era muito intuitivo, pelo menos pra mim, o lugar onde um organismo habitava era seu habitat e eu ficava muito satisfeito com isso. Logo após discutíamos sobre outro termo, um pouco mais complexo, que era o nicho de uma espécie. O habitat ficava pra trás como um conceito que não carecia tanta atenção, pelo menos era essa a impressão que ficava em mim.
Eu passei a enxergar o habitat sob outro prisma na graduação. Contudo ele ainda era apresentado como um conceito meio vago. Outra coisa que era debatido era a fundamentação do habitat, ou seja, o habitat só poderia ser considerado habitat, mediante a existência de uma determinada espécie que nele habitava, ou seja, o habitat era apresentado em uma perspectiva de uma via de mão única, onde as espécies tinham uma influencia para a determinação do habitat e o mesmo era um cenário de fundo e estático que estava ali para abrigar os organismos. Sendo assim, um local só é considerado um habitat se houver algum organismo residindo nele, evidenciando a total dependência do hábitat em relação aos organismos.
Conforme lia sobre o tema, novos conceitos foram se agregando ao modo como encarava o assunto. Vi que o habitat não é somente um plano de fundo estático à espera de organismos para colonizá-lo. As estruturas físicas que compõem o habitat terão forte influência na abundância (quantidade de organismos) e riqueza (quantidade de espécies) da comunidade que reside naquele determinado local. Sendo assim, apesar de um local ser apontado como habitat através da presença das espécies, os elementos físicos estruturais do habitat irão ser importantes para determinar a quantidade de organismos e espécies de um determinado habitat.
Os diferentes elementos e a quantidade dos elementos físicos estruturais do habitat passaram a ser mensurados a fim de estabelecer uma relação entre o habitat e a comunidade dos organismos. À medida que estudos avançavam na área diversas terminologias passaram a ser empregadas para se relacionar aos elementos integrantes do habitat. Nomenclaturas como “complexidade”, “heterogeneidade”, “refúgio”, “arquitetura” e etc, mesclam-se atrapalhando a confluência de muitos trabalhos, atrapalhando, de certa forma, o entendimento da relação entre habitat e organismos.
Os elementos físicos do habitat que são capazes de suportar as comunidades passaram a ser denominados de “estrutura do habitat” a qual passou a ser encarada como um espaço tridimensional composto pela heterogeneidade, complexidade e escala (McCOY & BELL, 1991). A heterogeneidade se refere aos diferentes tipos de elementos estruturais do habitat. A complexidade se refere à quantidade de estruturas físicas individuais dos elementos estruturais e a escala se refere à escala da observação onde a complexidade e a heterogeneidade são mensuradas (figura 1).
Revisões mais recentes do tema sugerem que a estrutura do habitat é composta não por três, mas por cinco diferentes características: (i) a escala; (ii) a diversidade dos elementos estruturais se referindo às diferenças qualitativas dos elementos que geram a complexidade; (iii) o arranjo dos elementos, ou seja, a maneira como estão ordenados no espaço; (iv) o tamanho dos elementos e (v) a abundância/densidade dos elementos (TOKESHI & ARAKAKI, 2012). Apesar de apresentarem terminologias diferentes para se relacionarem às diferentes características do habitat, os modelos propostos pelos diferentes autores acima citados apresentam certas características em comum (quadro 1).
Toda essa categorização das estruturas do habitat é uma tentativa de colocar os elementos da paisagem na ótica humana para que o pesquisador possa entender o funcionamento das comunidades. Contudo a grande pergunta é: será que as espécies se apropriam do habitat baseados nas características físicas que nós, seres humanos, julgamos ser importantes para as comunidades? Certamente não. Por isso é importante entendermos as respostas dos organismos mediante as diferenças na estrutura do habitat.
Entender a relação entre habitat e a biodiversidade pode ser muito importante em futuras ações de manejo e conservação, ou seja, os elementos físicos da estrutura do habitat que possuem impacto mais significativo no aumento da biodiversidade podem ser manejados a fim de se obter uma comunidade mais rica. O manejo do habitat pode ser encarado como uma medida auxiliar para a conservação das espécies. Mas para que isso ocorra é necessária a condução de experimento que avaliem o impacto dos elementos físicos do habitat sobre as comunidades.
Sendo assim, o habitat, para mim, passou a ganhar uma conotação totalmente diferente daquela abordada em meu ensino médio ou na graduação. Ele não é apenas o local onde o organismo vive, ou um cenário estático à espera de alguma espécie. O organismo reside em um determinado local porque o habitat apresenta certas condições que possibilitam a sua permanência. Então há um paradoxo interessante entre habitat e organismo. O que é o mais importante? O habitat que proporciona o local e condições de permanência para os organismos? Ou os organismos são mais importantes para determinar se aquele local é um hábitat propício para o mesmo? Talvez não haja uma relação de qual seja mais importante. Talvez habitat e organismos sejam componentes de uma entidade maior. Mas isso eu deixo como debate para os teóricos e filófosos da ecologia.
McCOY E.D., BELL S.S., 1991, “Habitat structure: the evolution and diversification of a complex topic”. In: Habitat structure: the physical arrangement of objects in space. Chapman and Hall, London, pp 3–27.
TOKESHI, M. & ARAKAKI, S., 2012, “Habitat complexity in aquatic systems: fractals and beyond” Hydrobiologia, v. 685, pp. 27–47.