Sabemos que a água é um elemento essencial e um recurso de suma importância para a existência humana, sendo utilizada tanto para uso doméstico (beber, tomar banho) como para uso industrial e fornecimento de alimentos (peixes, crustáceos, moluscos, etc.). Portanto, a água é um recurso de suma importância para a nossa subsistência. No entanto, apesar da importância deste recurso para o bem-estar da sociedade humana, durante a maior parte do século XX predominou uma visão errada deste recurso. Em muitos momentos, a água foi considerada simplesmente um líquido encanado, infinito e pronto para ser consumido ou utilizado como matéria prima para suprir nossas necessidades, e não um elemento de suporte indispensável para a vida. Esta forma antropocêntrica de pensar e agir sobre este recurso resultou, no fim das contas, em uma degradação contínua e acentuada dos ambientes aquáticos. Assim, fez-se necessário que a sociedade perceba a importância de manter o abastecimento de água por uma questão de importância biológica.
O reconhecimento das problemáticas ecológicas e socioambientais derivadas do uso indevido dos recursos hídricos, e da necessidade de planejamento, manejo e gestão das águas, motivou a necessidade de avaliar, monitorar e restaurar os ecossistemas aquáticos continentais. Porém, inicialmente, as políticas de manejo de recursos hídricos baseavam-se em características físicas e químicas da coluna d’água (parâmetros de qualidade como, por exemplo, nutrientes, demanda biológica de oxigênio, pesticidas e metais pesado) para avaliar o estado de saúde dos corpos de água, ou para fazer o seu monitoramento. Entretanto, estas análises permitem apenas avaliar a quantidade de substâncias e a qualidade do sistema em relação a contaminantes pontuais, mas, na maioria das vezes, perdem-se aspectos cruciais para a biota local.
Além disso, a avaliação de parâmetros físicos e químicos da coluna d’água assume que os ecossistemas aquáticos continentais foram apenas afetados por contaminação química ou orgânica. No entanto, a perda e simplificação do hábitat, retiradas excessivas de água, assoreamento, invasão de espécies exóticas, modificação de canal de rios, etc., também causam, tanto ou mais danos à qualidade da água e às comunidades que habitam estes ecossistemas, que a poluição química. Assim surgiu o biomonitoramento como uma ferramenta central para o gerenciamento dos recursos hídricos e a conservação da fauna aquática, já que a capacidade de manter uma comunidade biótica equilibrada é um dos melhores indicadores da qualidade dos ecossistemas.
Porém, devido à complexidade dos sistemas biológicos e às diversas formas de alterações que estes podem sofrer, fez-se necessária uma aproximação multimétrica que reflita a qualidade ecológica do sistema e que responda, de maneira previsível, a cada tipo de alteração possível em uma determinada região. Neste contexto do novo paradigma de biomonitoramento, que suplantou o velho conceito de “qualidade da água”, Karr (1981) desenvolveu um Índice de Integridade Biótica (IIB) que foi utilizado primeiramente para quantificar características da comunidade de peixes avaliando assim a integridade ecológica de rios. Este autor definiu este índice como “a capacidade de um ecossistema de manter uma comunidade de organismos equilibrada, integrada e adaptativa, possuindo diversidade e organização funcional semelhante às áreas que conservam o hábitat natural da região”.
Neste índice são empregadas uma série de “métricas” baseadas na estrutura e função da assembleia da comunidade biológica em estudo (que pode ser a comunidade de macroinvertebrados, peixes, macrófitas, etc.). Essas métricas são integradas em um índice numérico para refletir a saúde ecológica do local. Assim, uma “métrica” é definida como uma característica ou um processo mensurável de um sistema biológico que se altera em valor ao longo de um gradiente de perturbação. Por isso, para o desenvolvimento de um índice multimétrico é necessário primeiramente conhecer as relações de certos atributos biológicos de uma comunidade sob um gradiente de condições ambientais, desde condições de referência – sem nenhum tipo de perturbação – até com diferentes graus de perturbação. Depois de conhecer essas relações, estes atributos biológicos independentes são integrados num índice só, que determina a qualidade ecológica do ambiente aquático estudado (Figura 1).
Nas regiões mais desenvolvidas como a America do Norte e a Europa, os Índices de Integridade Biótica já são amplamente utilizados e fazem parte de programas de biomonitoramento como uma ferramenta para avaliação, monitoramento e restauração da “saúde” dos ecossistemas aquáticos continentais. Porém, a maioria dos países em desenvolvimento não possuem políticas adequadas de manejo e gestão das águas que permitam prever os impactos ecológicos nestes sistemas.
No Brasil, a avaliação da qualidade da água em ambientes aquáticos ainda é focada principalmente na análise de dados físico-químicos e pode, opcionalmente, incluir amostragens de clorofila a e coliformes fecais, sem requerimento obrigatório de avaliações biológicas dos ecossistemas. Tal fato minimiza a importância do biomonitoramento para um pleno desenvolvimento e eficácia de planos de manejo das águas no país. Além isso, no que diz respeito ao biomonitoramento, os órgãos ambientais federais não possuem normas claras para tipo de amostragem e análises de amostras biológicas que podem ser usados para monitorar e avaliar esses ambientes.
A preservação de rios e riachos, em conjunto com um planejamento e práticas de manejo eficientes dos corpos de água, é uma prioridade no contexto atual, para poder garantir o aproveitamento do recurso. Neste sentido, é necessário desenvolver ferramentas práticas e efetivas baseadas em estruturas biológicas para avaliar, monitorar e manejar os recursos hídricos sem deixar de lado a avaliação física e química da água, nem a avaliação do hábitat. No entanto, estas ferramentas precisam ser eficientes, rápidas e aplicáveis em diferentes regiões, além de possuir uma base ecológica forte. Portanto, os Índices de Integridade Biótica mostram-se como uma ferramenta de fácil e rápida aplicação, sendo ecologicamente corretos e eficazes para avaliar o estado, as tendências e a integridade ecológica dos ecossistemas aquáticos. Assim, faz-se de extrema importância a pesquisa e o desenvolvimento destes índices para as distintas regiões e ecossistemas do Brasil.
Excelente post! Gostei muito, bem geral e esclarecedor! Parabéns!