Nós, cientistas, independente da área, lidamos constantemente com construções e revoluções do pensamento científico. Estas são bases para que possamos moldar e reestruturar paradigmas, pois são representações de um padrão, referências para estudos e pesquisas e seus respectivos métodos compartilhados por uma comunidade científica. Por outro lado, paradigmas podem fornecer uma visão engessada quando são compreendidos como um conjunto de “vícios” de pensamento e bloqueios lógico-metafísicos, obrigando cientistas a permanecer confinados a seus universos de estudo. Uma ação importante de ser realizada de tempos em tempos é revisar teorias e paradigmas existentes e checá-los de alguma forma quanto à sua validez, quais descobertas os sustentam e quais os refutam. Assim, apresento a vocês a ideia da minha dissertação, defendida mês passado. Ela foi construída no âmbito do paradigma da alça microbiana, com o intuito de traçar um panorama geral do que foi explorado neste tema.
O campo da ecologia microbiana foi ganhando destaque à medida que inovações e descobertas acerca dos papéis ecológicos dos microorganismos forneceram base para a construção de um paradigma mais adiante. No início da década de 1980, AZAM et al., (1983) compilaram uma série de evidências de outros trabalhos e lançaram o conceito de “alça microbiana”, na qual bactérias heterotróficas seriam uma via alternativa de energia para níveis tróficos superiores através da utilização da matéria orgânica disponibilizada principalmente pelo fitoplâncton. Assim, para certos tipos de ecossistemas, a cadeia clássica – constituída por algas fotossintéticas, zooplâncton e demais níveis tróficos – poderia não funcionar como a principal via de energia, abrindo espaço para o fluxo pela alça microbiana. Entretanto, sabe-se que este paradigma possui baixas contribuições quantitativas, com muitas questões inconclusivas acerca de sua relação com a cadeia clássica.
Neste sentido, este trabalho teve o objetivo de avaliar o perfil de estudos sobre alça microbiana em 30 anos, discutir tendências e traçar um panorama sobre a relevância da alça microbiana para teias tróficas pelágicas por meio de uma análise cienciométrica e uma meta-análise. Com isso, foi realizado um levantamento bibliográfico na busca de artigos que citaram AZAM et al., (1983) de 1983 a 2012, e os mesmos foram divididos em categorias de ecossistema, comunidade, clima, abordagem e quantificação e sobre elas foram calculados os Índices de Atividade (ferramenta utilizada em estudos cienciométricos). Após isto, foi realizada uma meta-análise utilizando modelos lineares generalizados mistos e análises de variância para uma quantidade menor de artigos para explorar as diferenças de contribuição de fluxo de matéria pela alça microbiana e pela cadeia clássica, agora divididos em ecossistema, clima, abordagem e medida. A quantificação indica se o artigo de fato quantificou de alguma forma o fluxo de matéria orgânica entre níveis tróficos basais e superiores para ambas as vias ou não.
Segundo a análise cienciométrica, observou-se contribuições em grande escala de trabalhos em oceanos e zonas costeiras, seguidos de lagos e lagoas costeiras; utilizando procariotos, cianobactérias e fitoplâncton; em condições de clima temperado; sob abordagens observacionais e experimentais; e no geral, uma baixa contribuição relacionada à quantificação da alça microbiana. Quanto aos Índices de Atividade, a categoria “vírus” destacou-se por apresentar taxas de publicação mais elevadas recentemente, devido a avanços sobre o papel ecológico dos mesmos na dinâmica de teias tróficas, e a curva de trabalhos que quantificaram a alça manteve-se em uma frequência relativa constante, apesar do número reduzido. A meta-análise demonstrou diferenças significativas para ecossistema (entre marinhos e estuarinos) e clima (entre temperado e tropical), com destaque para o clima quando analisado com a medida. No entanto, os tipos de abordagem e de medida não demonstraram respostas significativas quanto a um direcionamento de esforços para compreender a real importância das diferentes vias. Sendo assim, é importante valorizar a busca por uma variedade maior de ecossistemas pouco expressivos como os estuarinos, diferentes condições climáticas e abordagens nas escalas e medidas apropriadas.
Este trabalho de revisão me ofereceu a oportunidade de enxergar como podemos analisar grandes conceitos de nossas áreas, que muitas vezes parecem estar distantes e pouco alcançáveis, interpretá-los sob novos olhares e traçar novas perspectivas. Acredito que seja fundamental na caminhada de qualquer cientista!
Obs.: Para quem desconhece, segue a referência do famoso artigo de AZAM et al., (1983)…
AZAM, F. et al., 1983, “The Ecological Role of Water-Column Microbes in the Sea”, Marine Ecology Progress Series, v. 10, pp. 257–263.