Acho que foi numa segunda-feira…
Acordei, pacientemente, apesar de ter perdido um eclipse da super lua, por causa de uma tempestade de raios, como todos no Rio de Janeiro! Reclamando de inúmeras outras coisas, inclusive do fato de ser segunda-feira! Como gostar de uma segunda-feira? Levantei, me arrumei, saí…engarrafamento…laboratório. Cheguei, sentei no computador e tava mexendo em umas coisas, lendo outras coisas, pronto! Alguns momentos antes do almoço, hora de procrastinar um pouquinho. Entre um site e outro, a manchete: “NASA confirma descoberta de evidências de água em Marte”. Primeiro pensamento: “Pára! Notícia antiga, repetida…ai ai”. Mas como tenho fixação com o tema, fui mais a fundo, e a partir daquele momento passei a ADORAR aquela segunda-feira, o dia 28 de setembro de 2015.
“-Mas eles já não tinham encontrado gelo há uns anos atrás? Então, porque a empolgação?”, você deve estar se perguntando. Uai, porque desta vez acharam evidências maravilhosas de água (no estado líquido) em Marte, nosso enorme vizinho. O gelo foi nos polos, notícia antiga, agora, através de análises sofisticadas e incríveis, as evidências são de vales, e deltas de rios inteiros.
Água (tudo bem que meio salgada), no estado líquido mesmo presente desde o fim da primavera, até o início do outono de lá. Mas é claro que essas estações do ano marcianas não correspondem às nossas e, muito menos suas temperaturas. Por lá as temperaturas são sempre extremas e suas variações diárias e anuais são intensas – devido à sua ausente ou finíssima atmosfera. Pra quem gosta de números, a temperatura média no verão é de aproximadamente -50°C, e as amplitudes de variação ao longo do ano vão de +20°C a -153°C. Mesmo com essas baixas temperaturas, o que temos agora são evidências indiretas, porém incontestáveis, da presença de água no estado líquido, e esta história toda eu vou contar rapidinho, eu juro 😉
Tudo começou com uma expedição da NASA de 2008 em que um equipamento denominado Pheonix Mars começou a enviar imagens do solo por onde passava. E, em uma foto dava pra ver gotas cristalizadas (Fig.1) e, esta foi a que chegou às mãos de um cientista chamado Nilton Renno, da Universidade de Michigan. O que esta foto corroborou inicialmente foi sua teoria de que havia gelo sob o solo de Marte. Mas o que uma olhadela mais curiosa para essas gotículas brancas mostrou, na verdade, é que não se tratava de gelo e sim água, gotículas de água em estado líquido (a -56°C), com muitos sais diluídos…muitos mesmo, tantos, que na verdade não dá pra saber o que dilui o que. Um dos sais encontrados, na verdade, é uma mistura de cloro e oxigênio, o perclorato, e é ele que em teoria pode garantir que a água esteja em estado liquido, agindo como um anti-congelante, diminuindo drasticamente a temperatura de fusão da água. Mas partir disso para o que vimos neste dia 28 de setembro de 2015, foi um passo gigantesco.
Essa imagem aí embaixo (fig. 2) foi a que a Nasa divulgou no dia 28, após a coletiva de imprensa , e no mesmo dia saia um artigo on-line, fresquinho na Nature Geoscience. Agora, metodologicamente é que o trabalho é magnífico, e olha que a confirmação demorou e a Nature e a Nasa (claro!) foram bem criteriosas na escolha de palavras na divulgação.
O que o artigo mostra é a metodologia de análise espectroscópica de formações na superfície de Marte, denominadas de Reccuring slope linae (ao pé da letra: linhas de inclinações recorrentes). Essas imagens são de um espectrômetro compacto de imagens para reconhecimento, que está em órbita no chamado ‘Mars Reconissance Orbiter, ou MRO’* (fig. 3). Essas linhas, que mais parecem nuvens coladas em montanhas (Fig. 2), mostram o fluxo e a água corrente em Marte, como uma poética imagem de um fractal (ou uma previsão do tempo na TV). Esse fluxo, no entanto, ao que tudo indica é um fluxo de hidratos de sais, mas como o nome indica ‘hidratos’!
O que não é muito conhecido é que Marte, esse ‘planeta vermelho’, que mais parece um deserto cheio de crateras, já teve uma atmosfera prolífica há 3 bilhões de anos atrás, com muita água correndo, por esses vales. Mas, depois de todo esse tempo ainda achar esses hidratos é fenomenal e torna ainda mais calorosa a discussão sobre a vida em outros planetas. Afinal, ‘a verdade está lá fora’.
Agora, o que eu como bióloga e, mais especificamente, limnóloga, tenho a ver com tudo isso? Tudo! A empolgação não é só resposta aos clichês americanoides, como por exemplo o do Neil Armstrong, “um pequeno passo para o homem, mas um grande passo para a humanidade”, é resposta às inúmeras possibilidades abertas por essa descoberta tão próxima. “Um exemplo?” Te dou vários:
O primeiro é a reintrodução à vários debates sobre a Origem da vida e origem da água. A panspermia pode ser um conceito que não é descartável, pois poderíamos ter precursores químicos e microorganismos à deriva no enorme espaço sideral, esperando apenas encontrar um ambiente favorável para se desenvolverem, à mercê, a partir daí, da seleção natural. E, de onde veio toda nossa água? Os oceanos aqui da Terra poderiam ter se desenvolvido através daquela Teoria da origem exógena da água? Pois, afinal, Marte é aqui do lado e tinha (e tem) água que poderia ter sido trazida para Terra através do choque de asteroides. O segundo ponto é um pouco mais simples, e por ser menos “viagem” é mais próximo para que a ciência e a tecnologia respondam à algumas perguntas sobre: a vida em Marte. Será que nestes vastos oceanos de hidratos de sal não há vida, diferente da que conhecemos, ou mesmo similar às bactérias extremófilas, e tardígrados estranhos (Fig. 4), que sobrevivem, a tudo?
São muitas perguntas e as respostas serão fantásticas e possivelmente estarrecedoras, mas a gente só precisa esperar um pouquinho. A NASA já tá pensando em outras inúmeras viagens de reconhecimento e exploração científica, claro que com objetivos futuros um pouco mais imperialistas e Darth Vaderianos do que ‘sonha nossa van-filosofia’.