Alguns dias atrás, eu estava navegando pelo internet quando vi a seguinte notícia: devido à estiagem, a sede Teresópolis do Parque Nacional da Serra dos Órgãos estaria fechada. Segundo um site de notícias, era a primeira vez em quase 76 anos de existência que o PARNASO fecha as portas. Imediatamente me lembrei da crise hídrica do sistema cantareira, no estado de São Paulo, alardeada pela mídia no último verão e logo esquecida. Apesar de ter caído no esquecimento, a crise hídrica não acabou. Uma rápida pesquisa no google indica que neste mês de outubro de 2015, faltando 2 meses para o início oficial do verão, a falta de água já é uma realidade em diversas cidades do Brasil. Por exemplo, em Varginha/MG e Niterói/RJ. Em Angra dos Reis/RJ, a prefeitura declarou estado de emergência hídrica e proibiu os cidadãos de lavarem carros, barcos, calçadas, regar jardins, encher ou esvaziar piscinas, entre outros. Com isso, voltamos ao título desta postagem. Precisamos conversar sobre a crise hídrica.
Eu nasci e fui criado em um bairro do subúrbio do Rio de Janeiro. Eu me acostumei a sempre ter água saindo da torneira. Na minha casa, o fornecimento de água só é interrompido quando é necessário fazer manutenções na rede de abastecimento. E devido à localização mais próxima do sistema Guandu, o meu bairro é um dos primeiros a voltar a ter água quando o abastecimento é religado. Além disso, devido à caixa d’água de 1000 litros que temos em casa, quando a água não chega pelos canos, ainda temos água para usar. Torneira seca nunca foi uma realidade para mim, assim como para muitas pessoas. Sei que muitos outros brasileiros não tem a mesma sorte que eu, mas para aqueles que tem isso cria um sentimento equivocado de que a água é um bem infinito. Nos acostumamos a ter sempre água, mas não nos questionamos como a água chega até nossas casas.
A verdade é que há muita água em nosso planeta. Mas não significa que temos muita água para o nosso consumo: 97,5% da água do planeta é salgada (oceanos), 1,72% está em calotas e geleiras e 0,72% são águas subterrâneas. Sobram apenas 0,06% da água em rios, lagos, biomassa e vapor¹. Em outras palavras, temos muita água. Mas água potável é muito pouca. E ainda estamos cuidando mal do pouco que temos pela poluição e outros problemas ambientais.
Quando tivemos, no início deste ano, um problema com o baixo nível de água nos reservatório de São Paulo, uma das soluções apontadas foram obras de engenharia para aproveitar o volume morto das represas, ou seja, a água que ficava abaixo do nível de captação. Em outros contextos, é comum apontar as obras como solução: basta criar mais uma barragem, transpor águas de um rio, mudar o seu curso. Isso pode passar a sensação que a engenharia é a grande solução para o problema da falta de água, mas não se enganem: as obras ajudam, mas para resolver o problema é necessário pensar ecologicamente. Um componente importante do ciclo da água é a evapotranspiração. As árvores atuam como verdadeiros “canos”, puxando água do solo e liberando a maior parte para a atmosfera, sob a forma de vapor d’água. Com isso a cobertura vegetal é essencial para o balanço hídrico. Em outras palavras, sem floresta não tem chuva. Por exemplo, na Amazônia a evapotranspiração das árvores forma verdadeiros “rios voadores”, e sem eles grande parte da América do Sul seria um deserto. E tem mais: a cobertura vegetal protege as nascentes e o curso dos rios. Sem floresta, as nascentes secam e os rios ficam mais assoreados, diminuindo o volume de água que levam. Agora pensem nos rios próximos às casas de vocês: quanta cobertura vegetal há no entorno? Quantos foram canalizados? Quantos tem alguma mata ciliar?
A situação não é nada boa. Além dos problemas em escala local, mudanças climáticas globais trarão aumento da temperatura e alterações nas chuvas. A falta de água é um tema espinhoso para aqueles que ainda tem acesso a ela, mas um tema urgente para aqueles que ainda não tem tanto acesso. É um tema amplo e difícil. Mas, para o nosso próprio bem, precisamos conversar sobre a crise hídrica.
¹Informação retirada de:
ESTEVES, F.A. 2011. Fundamentos de Limnologia. 3ª edição. Interciência, Rio de Janeiro, RJ. 826p.