Frequentemente estamos lidando com questões de conservação, gestão, redução de gastos e uso sustentável da água em nossa comunidade, escolas, instituições…Mas quais os órgãos responsáveis por criar, aplicar planos, leis e decretos no âmbito da gestão de nossas águas? Por onde começou? Quais os objetivos destes envolvidos?
E você já se aprofundou nesses aspectos em algum momento de sua formação? Infelizmente, é comum que haja uma falta de discussão e inserção desses conhecimentos em currículos de instituições de ensino, apesar de que este quadro seja bem heterogêneo em relação ao nosso país e muitas transformações estejam ocorrendo. Vamos ver brevemente que todo o arcabouço montado para a construção e implementação de um regimento das águas se deu muito gradualmente e com alguns marcos bem recentes.
Há poucos meses tentei um concurso para a AGEVAP – Associação de Pró-Gestão da Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul, para o cargo de especialista em recursos hídricos. Esta foi uma ótima oportunidade para adentrar nesse mundo um pouco à parte – nem tanto assim – e entender um pouco como ele funciona (ou deveria funcionar). Um dos tópicos do conteúdo de legislação mais específico permeava por uma parte da Constituição, a Política Nacional e o Plano Nacional de Recursos Hídricos, o papel do SINGREH e como funciona a legislação dos estados alimentados pelo Paraíba do Sul. Então, achei pertinente compartilharmos um pouco dessas informações para entendermos como estamos lidando com esse recurso imprescindível à vida.
A partir disso, é interessante deixarmos certos conceitos esclarecidos. Recursos hídricos são considerados águas superficiais e subterrâneas disponíveis para qualquer tipo de uso, localizadas em diversas regiões. Este conceito é empregado devido ao valor econômico embutido neste bem comum que chamamos de água. Assim, a gestão desses recursos é definida como o conjunto de ações a regular o uso, o controle e a proteção dos mesmos em conformidade com a legislação e as normas pertinentes.
Bom, sabe-se que o ciclo hidrológico é o que interliga todos os processos essenciais à vida no planeta. Conforme a economia foi tornando-se mais complexa, mais usos foram atribuídos aos recursos hídricos, de tal forma que utiliza-se o termo ciclo hidrosocial, que seria uma adaptação do homem às características do ciclo hidrológico e suas alterações, gerando inúmeros impactos ecológicos e econômicos. Assim, as pressões sobre os usos dos recursos hídricos originam de dois grandes problemas: o crescimento das populações humanas e o grau de urbanização e aumento das necessidades para irrigação e produção de alimentos. Em consequência, grandes alterações nos ciclos hidrológicos regionais ocorrem devido à redução da quantidade e à apropriação desses recursos em escala cada vez maior e mais rápida. Considerando essas questões, vamos passar por alguns pontos da história de nosso país e acompanhar o que foi ocorrendo no âmbito de gestão das águas.
Por volta da década de 1930, onde considera-se o boom da industrialização, criou-se o Código das Águas – ligado ao Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica -, com caráter de gestão centralizada, e por várias décadas este tipo de gestão prevaleceu. Já na década de 1970, houve um enaltecimento da questão ambiental, e assim, a legislação começou a ser mais discutida na tentativa de adaptá-la às questões que surgiam. Nas décadas de 1980 e 1990 houve um reconhecimento da necessidade de trabalhar o desenvolvimento de forma sustentável e passa-se a pensar a gestão integrada dos recursos hídricos, pois as questões que se destacavam era o aumento da escassez da água e a preocupação em garantir a quantidade e a qualidade dessas águas para gerações futuras. Logo, em 1988, com a Constituição Federal incluiu-se a obrigatoriedade de formar o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH); em 1995 foi criada a Secretaria de Recursos Hídricos – ligada ao MMA -; em 1997 foi lançada a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) – Lei 9.433/97 – e regulamentado o SINGREH; em 2000 criou-se a Agência Nacional das Águas (ANA) e em 2006 foi lançado o Plano Nacional de Recursos Hídricos.
Neste contexto, São Paulo foi o estado pioneiro a promulgar a sua Política de Recursos Hídricos, em que o governo se espelhou para criar a Política Nacional. Desta forma, delimitou-se a unidade de planejamento como a bacia hidrográfica, o comitê como o órgão responsável por gerir a bacia, e cada estado seguindo a sua respectiva legislação. Essa Política Nacional define padrões e critérios para regular, planejar e controlar a utilização da água, além de formalizar a criação do Sistema Nacional. Dentre os instrumentos dessa Política Nacional estão os Planos de Recursos Hídricos, a outorga e a cobrança pelo uso de recursos hídricos.
O Plano Nacional apresenta os seguintes objetivos:
– A melhoria da disponibilidade hídrica em qualidade e quantidade;
– A redução dos conflitos reais e potenciais;
– A percepção da conservação da água como valor socioambiental.
Além disso, o Plano Nacional passa por constantes atualizações para acompanhar as condicionantes (climáticas, socioeconômicas,…) das diferentes regiões. Uma situação um pouco surpreendente é o estado do Amazonas, que apesar de apresentar extensas bacias hidrográficas, ainda se encontra bem deficiente em relação ao planejamento e gerenciamento de seus recursos.
Já a outorga e a cobrança são medidas complementares; a outorga trabalha com a quantidade e a qualidade de água disponível para o uso e a cobrança trabalha com a racionalização entre os usuários.
Esquema ilustrando os diferentes atores do cenário institucional brasileiro em relação à gestão de recursos hídricos – extraído de http://www.agevap.org.br/
Então, qual a ideia de criar um Sistema Nacional que substituísse as atribuições ligadas somente a um órgão? Foi uma forma de descentralizar a gestão, incluindo a participação da sociedade, dos usuários, dos órgãos públicos, planejando e regulando a quantidade e a qualidade de água, a cobrança, evitando conflitos. Dentre os membros do SINGREH estão os Conselhos de Recursos Hídricos – Nacional, Estadual e do Distrito Federal; a ANA; os Comitês e as Agências de bacia, além de outros órgãos das esferas Federal, Estadual e Municipal. Os Comitês de bacia também apresentam componentes de diversas esferas (da União e Estados às entidades civis), correspondentes às áreas de atuação de suas respectivas bacias. Seus papéis envolvem: promover o debate sobre recursos hídricos, arbitrar conflitos, aprovar o Plano de R.H. da bacia e acompanhar sua execução, estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso, deliberações, entre outros. As Agências funcionam como os braços executivos do Comitê (ou de mais de um), que recebem e aplicam os recursos arrecadados com a cobrança pelo uso da água da bacia – por exemplo, a AGEVAP atende a quatro Comitês afluentes ao rio Paraíba do Sul (CBH Médio Paraíba do Sul, Comitê Piabanha, CBH Rio Dois Rios e CBH Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana).
Por fim, é importante termos consciência de como a participação pública pode atuar, tanto na elaboração e revisão dos Planos quanto no acompanhamento das tomadas de decisão principalmente nos níveis locais, que abrangem suas áreas de bacia. Neste sentido, a Educação Ambiental tem papel fundamental de informar sobre usos e usuários, conflitos e impactos associados ao uso, qualidade da água, instrumentos da Política Nacional, e de capacitar as pessoas para a interpretação e análise de situações que possam envolver inúmeros interesses.
O gerenciamento integrado deve promover a interação efetiva entre o ciclo hidrosocial e o ciclo hidrológico. Sua implantação está passando por transições e novas metodologias e projetos estão sendo implementados em muitos países e continentes para buscar resoluções dos problemas relativos aos usos e à otimização dos usos múltiplos.
Referências:
MMA. (2008). Plano nacional de recursos hídricos: Programas de desenvolvimento da gestão integrada de recursos hídricos do Brasil: volume 1. Secretaria de Recursos Hídricos – Brasília: MMA, 152 p.
Tundisi, J.G. (2001). Ciclo hidrológico e gerenciamento integrado. Gestão das Águas/Artigo, p. 31-33.
Site da AGEVAP: http://www.agevap.org.br/
Site da ANA: http://www2.ana.gov.br/Paginas/institucional/SobreaAna/legislacao.aspx
Site do MMA: http://www.mma.gov.br/agua
Oi Alice, parabéns pelo texto e pelo tema! Muito importante. Precisamos falar mais sobre isto. Por exemplo, acho que devemos discutir sobre a definição de recurso hídrico, pois me parece desconsiderar a água para a proteção dos organismos e processos ecológicos.
Oi Reinaldo, desculpa a demora na resposta. Obrigada pelas palavras! De fato é um tema que abrange diversas áreas, mas que constantemente deixamos de estimular sua discussão dentro do ambiente acadêmico. Também acho pertinente um ponto que ressaltou, como a definição de recurso hídrico. Na legislação me parece que ele está muito mais atrelado às necessidades socioeconômicas do que à natureza, seus seres e processos. Como podemos entrar em contato com essa temática de forma mais presente? Fica aqui uma sugestão da criação de um grupo de discussão. Obrigada pelas suas considerações!!