Ah! O verão… Críticos à parte (sei que não são poucos os haters do verão carioca), não há melhor estação no ano! O sol brilha, pele bronzeada, praias e paisagens espetaculares, sonhos renovados e chuva, MUITA CHUVA!
A chuva é uma “benção”, sem dúvida! Por falar nisso, já conversamos sobre chuva e misticismo aqui (Ver o post “Mudanças climáticas: De quem é a culpa?”). A questão é que com as mudanças climáticas são previstas grandes alterações na distribuição das chuvas, principalmente o aumento na ocorrência de eventos extremos. Não é por acaso que o novo prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, solicitou no prazo de 10 dias à Secretária de Meio Ambiente e Conservação, um relatório sobre o risco de desastres naturais na cidade. Não se preparar para chuvas e secas extremas pode causar perdas irreversíveis à população. Nós sabemos bem disso…
Por outro lado, muito bom saber que tem gente pensando em como se prevenir e se adaptar a estas novas condições climáticas. Dá uma olhada aqui, aqui e aqui! Mas você já pensou como os demais organismos na natureza, além de nós, vão responder a estas mudanças? O que será afetado? Como eles responderão a essas novas condições de chuva? O que será perdido?
O Laboratório de Limnologia/UFRJ, interessado nesta questão, publicou o trabalho “Predicted rainfall disrupted trophic interactions in a tropical aquatic ecosystems” por Aliny P. F. Pires, Nicholas A. C. Marino, Diane S. Srivastava e Vinicius F. Farjalla na revista Ecology, uma dos mais renomados periódicos na área. A relevância do trabalho se dá por uma série de motivos, entre eles o fato de ser um dos primeiros trabalhos a testar experimentalmente o efeito de mudanças previstas no padrão de precipitação para ecossistemas aquáticos tropicais. Os autores conseguiram este feito utilizando o potencial experimental da bromélia-tanque Noeregelia cruenta, como microcosmo natural.
Os autores manipularam a distribuição das chuvas de duas maneiras, aumentando o agrupamento das chuvas e aumentando a ocorrência de eventos extremos, esperado de ocorrer para o Sudeste brasileiro até o final deste século. Além disso, os autores manipularam a diversidade de recurso alimentar (detrito) dentro do copo da bromélia, a fim de verificar o potencial de atenuar os efeitos da precipitação. No total, foram utilizadas 175 bromélias distribuídas em 5 tratamentos de chuva e 7 tratamentos de detrito, combinados. Eis o maior experimento com bromélias-tanque até hoje realizado! Legal, né? Foram mensuradas respostas na comunidade de macroinvertebrados que habitam estes ecossistemas, como o número de indivíduos, de espécies, a composição e a interação alimentar entre os organismos que vivem ali.
Entre os principais achados, os autores demonstraram que:
1 – As mudanças climáticas enfraquecerão drasticamente as interações tróficas em ecossistemas aquáticos tropicais.
2 – As mudanças climáticas não terão grandes efeitos para o número de indivíduos e espécies presentes nas bromélias-tanque.
3 – A diversidade de recurso tem pouco efeito na regulação dos efeitos das mudanças climáticas na comunidade de macroinvertebrados em bromélias tanque.
O efeito negativo das mudanças no padrão de precipitação na interação entre as espécies para além do efeito na abundância e riqueza de organismos traz uma nova perspectiva no estudo sobre mudanças climáticas. Por mais que a comunidade seja capaz de “compensar” o número de indivíduos e espécies que eventualmente serão perdidos, a identidade das espécies presentes na comunidade será diferente e consequentemente a interação entre elas. É como se substituíssem os seus colegas de trabalho, de turma ou de faculdade… Certamente, sua interação com eles será diferente daquela dos colegas de longa data. Você precisará de tempo para conhecer melhor seus colegas e se ajustar a esta nova condição. A natureza também precisará de tempo! Agora, imagine que toda semana seus colegas de trabalho são trocados, ou até mesmo você… É bem provável que você nunca mais reestabeleça o vínculo que um dia existiu entre você e “a galera”. Na natureza isto também ocorre, pois as espécies apresentam diferentes níveis de sensibilidade às mudanças ambientais, tal como a seca e a chuva e a mudança na comunidade é dependente desta sensibilidade.
Além disso, outro mecanismo proposto para explicar este efeito é a mudança na estrutura do habitat aquático. Chuvas mais frequentes garantem uma conexão permanente entre os diferentes copos de uma mesma bromélia e consequentemente a capacidade de um grupo trófico afetar o outro. Imagine que no seu trabalho a sala do chefe fique permanentemente trancada, sem dúvidas a capacidade dele em controlar o seu trabalho seria bem menor caso ele andasse o tempo todo entre seus funcionários, certo? A mesma coisa ocorre em uma bromélia, os predadores podem ter ficado mais isolados de suas presas, o que afetou sua capacidade de regular sua abundância.
Você deve estar pensando “Puxa, uma pena, sinto muito por eles!” Calma aí! Estes mecanismos podem ocorrer em outros sistemas aquáticos e comprometer importantes serviços ambientais, tal como recursos pesqueiros e a qualidade da água de rios e reservatórios. Já pensou? Assim, a manutenção do equilíbrio ecológico é fundamental para garantir a provisão de serviços ecossistêmicos. Muita coisa ainda deve ser explorada e este trabalho aponta os potenciais caminhos a serem trilhados. Que o verão seja mais “amigo” do que foi nos últimos anos e que os governantes estejam preparados para o que já é previsto.
Por falar em desejos, um feliz 2017 a você leitor do Limnonews! Muitos sonhos realizados! Continuamos contando com sua participação neste ano… 😉
Gostou do trabalho? Quer a versão em PDF? Tem algum comentário, sugestão ou crítica? Poste seu comentário aqui ou mande um email para alinypfpires@gmail.com.
Comments 3