Você já ouviu falar de lagoas costeiras? Elas são corpos hídricos , muitas vezes separados do mar apenas por um banco de areia, o que justifica ocasionalmente sua água ser salgada, podendo também ser salobra, ou mesmo doce. Além do mais, elas geralmente apresentam uma alta diversidade biológica, uma alta produção primária e uma alta atividade pesqueira. E no caso das lagoas costeiras urbanas, além de tudo o que foi citado anteriormente, também servem como balneário, propiciando atividades de lazer e turismo. Isso faz delas de grande importância econômica e ecológica para o homem.
A Lagoa Imboassica é um dos principais pontos turísticos da cidade de Macaé, no norte do estado do Rio de Janeiro, que movimenta a economia dos bairros ao redor e permite que sejam realizadas atividades de lazer, assim como a prática de esportes.
Figura 1: Lagoa Imboassica.
No entanto, este ecossistema tem sofrido inúmeros impactos nas ultimas décadas, principalmente a partir do final da década de 90, devido ao aumento da urbanização ao redor, impulsionada pela alta atividade do petróleo, como por exemplo: assoreamento, aterro de suas margens, as queimadas do banco de plantas aquáticas assim como as aberturas artificiais da barra arenosa que a separa do mar. Além disso, o aporte de efluentes domésticos sem o tratamento adequado aumentou a concentração de nutrientes provocando a eutrofização artificial desse ambiente aquático, comprometendo sua balneabilidade entre outros problemas.
Para quem não conhece o termo, a eutrofização consiste no aumento de nutrientes dentro de um corpo hídrico, o que causa um crescimento acelerado e excessivo das formas vegetais, além de produzir distúrbios indesejáveis para os organismos e para a qualidade da água. A eutrofização pode ocorrer de forma natural, por exemplo, pela ação da chuva que carrega os nutrientes para dentro do corpo hídrico, ou de maneira artificial, pela ação direta do homem, que ocorre em um processo dinâmico decorrente de diversas origens, tais como: o despejo de esgotos domésticos, efluentes industriais e atividades agrícolas sem o devido tratamento. Mas qual é o problema com a eutrofização?
Durante o processo de eutrofização pode ocorrer um aumento excessivo na biomassa de algas microscópicas, que ocasionalmente podem ser tóxicas, elas são as cianobactérias. Com sua proliferação, elas aumentam consideravelmente a turbidez da água e dificultam a entrada da luz solar no ecossistema. Por vezes, isso compromete a sobrevivência de espécies vegetais submersas que dependem da luz do sol para realizar fotossíntese, e causam aumento da biomassa de espécies consumidoras, redução da diversidade de peixes, mau cheiro e perda do valor estético do corpo hídrico.Nada disso é bom para a lagoa, mas como os gestores podem resolver o problema?
Uma prática muito comum que visa “limpar” a Lagoa Imboassica, é a abertura da barra arenosa, que quando ocorre de maneira artificial consiste na abertura da barra de areia que separa a lagoa do mar, fazendo com que a água da lagoa escoa para o oceano. As aberturas artificiais da barra arenosa da Lagoa de Imboassica tem sido feitas geralmente para amenizar os efeitos das inundações dos bairros do seu entorno, construídos sobre áreas alagadas da lagoa. No entanto, algumas vezes essas aberturas são realizadas sob a justificativa de “limpar” a lagoa e “renovar” as suas águas, amenizando os problemas causados pela eutrofização. Mas será…
Figura 2: Evento de abertura artificial da barra da Lagoa Imboassica realizado em novembro de 2016.
Para tentar responder essa questão, vamos observar um pouco o que aconteceu com a Lagoa Imboassica nas ultimas décadas.Desde 1992, o Laboratório de Limnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro vem monitorando quatro regiões da Lagoa Imboassica. Até 2009, esse monitoramento foi realizado mensalmente. De 2013 a 2016, a cada dois meses. Entre 2009 e 2013, houve apenas amostragens casuais, sem a frequência do monitoramento. Além de medir diversas variáveis que caracterizam a qualidade da água, a equipe do Laboratório de Limnologia registrou todos os eventos de aberturas da barra arenosa ocorridos no período.
Figura 3: Pontos em que foram coletadas amostras de água da lagoa para o monitoramento.
Com base nesses dados, avaliaremos aqui como variou em longo prazo o grau de trofia da lagoa Imboassica e como isso pode estar relacionado com as aberturas da barra. Mas espera aí, o que é grau de trofia? Como avaliar?
O grau de trofia é uma classificação usada para dizer o quanto uma lagoa está afetada pela eutrofização. Ele foi avaliado com base no Índice do Estado Trófico, calculado com base nos valores de clorofila-a e fósforo total. A clorofila-a é um pigmento presente em organismos autotróficos fotossintetizantes e permite uma estimativa da quantidade de produção primária dentro do ecossistema e o fósforo total, é um dos fatores limitantes de produção primária por ser necessário na realização da fotossíntese. Ou seja, quando há muito fósforo, há muita produção primária e vice versa. Calma pessoal não é tão complicado assim. É que como tudo na vida muda, o grau de eutrofização de um ecossistema aquático também varia de pouco eutrofizado, até muito eutrofizado. Resumindo, em uma escala crescente de eutrofização (do menos para o mais eutrofizado) um corpo hídrico pode variar do estado ultraoligotrófico quando não houver eutrofização detectável, até hipereutrófico, quando os níveis de eutrofização estiverem muito acima do ideal.
Figura 4: Classificação do estado trófico em ordem crescente em intensidade de eutrofização
Voltando ao espírito da coisa, o que queremos saber é se essa prática tão comum de abrir a barra de areia que sapara a lagoa costeira do mar, resolve o problema da eutrofização artificial. O Laboratório de Limnologia da UFRJ buscou o registro das aberturas de barra ocorridas e relacionou a variação no grau de trofia da Lagoa Imboassica com a ocorrência das aberturas artificiais da barra de areia. Aqui vai uma imagem que ilustra melhor a situação.
Figura 5: Relação do estado trófico la lagoa com as aberturas de barra no período de 1992 a 2009.
O gráfico acima mostra a relação das aberturas da barra artificial com o nível de eutrofização da lagoa de 1992 a 2009 . No eixo y (vertical) está descrito o índice do estado trófico, no eixo x (horizontal) marca do tempo de estudo. A linha azul representa a variação do índice do estado trófico e os riscos pretos, os eventos de abertura da barra artificial. Durante este período, a Lagoa Imboassica variou do estado mesotrófico até supertrófico. Em 12% do tempo, a lagoa esteve no estado mesotrófico de eutrofização, 31% em estado eutrófico, 24% hipereutrófico e 33% supereutrófico. Os pontos pretos marcam os intervalos em que a barra arenosa da Lagoa Imboassica foi aberta. É possível observar que apesar da grande quantidade de aberturas artificiais da barra realizada no período de 1992 a 2009, a lagoa seguiu apresentando altos graus de trofia. No perído de 2013 a 2016, a Lagoa Imboassica esteve 100% das coletas em estado hipereutrófico. Nesse período houve a abertura do canal extravasor, que impede que a lagoa seque totalmente, tais aberturas ocorreram em novembro de 2013 e dezembro de 2015.
Aqui vai outra figura que mostra como esteve o estado trófico da lagoa no período de 2013 a 2016. É importante ressaltar, que neste período referenciado pelo gráfico não houve abertura artificial da barra arenosa, apenas do canal extravasor.
Figura 6: Estado trófico da Lagoa Imboassica no período de 2013 a 2016. A linha azul indica o estado de trofia da lagoa, enquanto os pontos vermelhos inferem as datas da abertura do canal extravasor.
Conseguiram entender?
Então, a partir dos gráficos apresentados, vemos que quando a barra de areia era aberta, o índice do estado trófico da lagoa diminuía, mas, a Lagoa Imboassica rapidamente retorna ao estado trófico anterior ao distúrbio, o que nos leva a concluir, que as aberturas de barra não resolvem o problema da poluição da lagoa. Pelo contrário, a quantidade de nutrientes aumentam, devido a combinação do aporte contínuo de nutrientes com a diminuição no volume de água da lagoa, reduzindo diluição dos poluentes. Além dos efeitos sobre a concentração de nutrientes, as aberturas artificiais da barra arenosa podem causar diversos impactos para a biota aquática . As aberturas artificiais da barra de areia dragam e matam a vegetação aquática, o que aumenta a sua taxa de decomposição e, consequentemente, o aporte de nutrientes para a coluna d’água e também aumenta o assoreamento.
Figura 7: Em vermelho está destacado o banco de plantas aquáticas mortas nas margens da Lagoa de Imboassica.
E não para por aí, a variação de salinidade devido a entrada da água salgada impacta a comunidade zooplanctônica que tem dificuldades em se recuperar do impacto, e altera também a composição da comunidade de peixes e reduz a quantidade de algas microscópicas.
Apesar dos reconhecidos efeitos negativos associados a esses eventos, há muito pouco tempo, em novembro de 2016, a barra arenosa da lagoa foi aberta novamente de forma artificial. Já estava decidido por autoridades que devido a detecção de um alto grau de poluição, observado pelo monitoramento realizado pelo Laboratório de Limnologia da UFRJ, mas a inundação das ruas ao redor da lagoa devido as intensas chuvas em novembro de 2016 fizeram com que a barra arenosa fosse aberta às pressas no dia 17 de novembro de 2016.
Porque as aberturas ainda acontecem? A resposta é bem simples, acontecem porque a maioria das pessoas pensa que estes eventos resolvem o problema da água. Mas com base no estudo, foi possível concluir que as aberturas de barra não são a solução ideal para resolver o problema de eutrofização da Lagoa Imboassica. Ainda que consideremos que parte do excesso de nutrientes presentes na coluna d’água sejam removidos com as aberturas artificiais da barra arenosa, essa medida por si só não garante a recuperação do ecossistema. É preciso eliminar o aporte clandestino de efluentes domésticos que ainda são tratados de forma inadequadas e despejados na lagoa. Além disso, a recuperação da Lagoa de Imboassica depende também da remoção do excesso de nutrientes já estocados no sedimento da laguna, assim como implementação de um programa de recuperação do ecossistema. Nesse sentido, manejo de macrófitas aquáticas mostra-se como uma alternativa promissora para a recuperação deste ecossistema de grande importância para a região, mas calma, que este é um assunto para um outro post…
Autores: Amanda da Silva Batista Vitório, Roberto Nascimento Farias, Marcos Paulo Barros.
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