Vocês já repararam naquela lamazinha que se forma nas margens dos corpos hídricos, como rios, lagoas e lagos? Pra quem nunca ouviu falar, aquele é o sedimento lacustre, um importante componente do ecossistema aquático que no primeiro momento não está perceptível aos olhos de quem observa uma lagoa, mas que ajuda a entender diversos processos como alterações climáticas, impactos ambientais, eutrofização natural ou artificial.
Figura 1: Lagoa de Jurubatiba, Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba-PARNA
Fonte: Arquivo pessoal, 2013.
Vamos falar um pouco sobre ele!
Segundo Esteves 2011, “A pesquisa envolvendo o sedimento surgiu na Suécia em meados do século XIX, onde o pesquisador Hampus Von Post (1862) fez as primeiras pesquisas envolvendo sedimentos de lagos. Ele realizou estudos sobre estratigrafia de sedimentos. Logo em seguida, já no século XX, pesquisadores como Wensenberg-Lund (1901) e Passage (1902) fizeram grandes publicações sobre depósitos calcários em sedimentos dos lagos de regiões temperadas. O limnólogo sueco Einer Naumman (1930) foi o primeiro a descrever as implicações do sedimento no metabolismo destes ecossistemas. O progresso sobre as pesquisas foram lentos devido à falta de equipamentos apropriados para a coleta de amostras, como dragas e coletores de perfis, além de conhecimentos químicos e biológicos desses ecossistemas’’. Atualmente, podemos considerar os estudos de sedimentos aquáticos como um dos principais da Limnologia. Vale lembrar que inicialmente os estudos iniciaram-se em sedimentos de ambientes lênticos (ambientes sem correnteza) e posteriormente em ambientes lóticos (águas com maior fluxo), porém os estudos seguem de formas distintas, mas com a mesma importância.
Observe abaixo imagens de alguns equipamentos apropriados para a coleta de sedimento em ambientes aquáticos, o que facilitou o avanço de pesquisas:
Figura 2: Coletor de sedimento com tubo de acrílico acoplado. Esse tipo de equipamento permite uma melhor obtenção de uma amostra sem misturar as camadas.
Imagem: Arquivo pessoal, 2017.
Figura 3: Draga Van Veen. A draga proporciona uma a amostragem de uma área maior.
Imagem: Arquivo pessoal, 2017.
Figura 4: Coleta sendo realizada no Lago Batata em Set/2016, utilizando o coletor de sedimento com tubo de acrílico acoplado.
Imagem: João Gabriel Nogueira
Uma breve caracterização do sedimento lacustre.
O Limnólogo Naumann (1930) classificou o sedimento lacustre em dois tipos: sedimento orgânico, onde o teor de matéria orgânica deve corresponder a pelo menos 10% da massa seca, e sedimento mineral, com porcentagem inferior a 10% de matéria orgânica, com predomínio de argila, sílica e compostos de cálcio, ferro e manganês.
As camadas dos sedimentos lacustres “são compostas em camada recente, que é biologicamente ativa com presença de microorganismos, macroinvertebrados, e camada permanente, que do ponto de vista químico possui uma atividade intensa, geralmente há pouca ou nenhuma presença de organismos nesse tipo de camada. As camadas são resultados de processos que ocorrem em diferentes períodos geológicos” (Tundisi 2008). Além disso, “a camada recente e a camada permanente são compostas por duas frações, ou seja, particulada e dissolvida que compreende a água intersticial, onde há uma grande reserva de nutrientes, chegando a ser de duas a cinco vezes maior em comparação com a coluna d’água, fundamental para a produtividade do ecossistema aquático” (Esteves 2011).
Agora que já sabemos o que é um sedimento lacustre, podemos falar sobre a Paleolimnologia e sua grande importância para o estudo da evolução dos ecossistemas aquáticos.
A área de estudo que investiga a formação do sedimento lacustre é a Paleolimnologia. A composição deste tipo de sedimento, comumente apresenta: “restos de organismos, pólen, frústulas de diatomáceas, restos de quitina de zooplâncton, quironomídeos, escamas e vértebras de peixes, espículas de esponjas, restos de vegetação e carvão, substâncias orgânicas, como pigmentos e seus produtos de degradação, além de carbono orgânico, fósforo e nitrogênio” (Tundisi 2008) que são considerados testemunhos de eventos que atingem ecossistemas aquáticos continentais, permitindo que seja feita uma reconstrução evolutiva do ambiente através das análises da composição do sedimento pelos estudos paleolimnológicos. Após um período de glaciação, através de análises de pólen, é possível identificar o processo de sucessão da vegetação aquática e terrestre e principalmente de espécies extintas. Com o auxílio do C14 (carbono 14), são realizadas datações para saber a idade de dos sedimentos lacustres.
Aqui temos uma figura que mostra um gráfico de como um estudo paleolimnológico em perfis verticais, ajudou a identificar alterações climáticas, que no caso, em períodos mais secos, houve um aumento da salinidade na água e como conseqüência, houve a diminuição de organismos como o cladócero Bosmina spp. indicado nas setas, em um lago do Parque Florestal do Rio Doce em 1997.
Figura 5: Gráfico retirado do livro Limnologia de José Galizia Tundisi e Takako Matsumura Tundisi 2008.
Podemos ainda, com o auxílio do sedimento lacustre estimar estado trófico de ambientes lênticos. Para isso, segundo Ohle (1976), o objeto de estudo para essa finalidade é a água intersticial, pois se o ambiente encontra-se eutrofizado, há uma maior concentração de nutrientes, além da coloração escura, que indica um alto teor de matéria orgânica. Logo, esse ambiente é considerado como eutrófico, com exceções de lagos tropicais que tendem a não refletir o nível de produção do sistema, pois nesses lagos, o processamento de matéria orgânica tende a ser mais rápido em comparação a de regiões temperadas, tornando menos propício ao acúmulo de sedimento por longos períodos, assim a matéria orgânica é decomposta na coluna d’água e não chega a se depositar no sedimento. Além disso, outro fator que contribui para uma alta decomposição de matéria orgânica nesses lagos é o fato de serem rasos, assim sofrem uma maior turbulência com grande ressuspensão de sedimento (Esteves 2011).
Observe abaixo uma imagem representativa do sedimento de um ecossistema aquático eutrofizado artificialmente. Reparem na coloração do sedimento bem como da água intersticial e no desprendimento das bolhas que podem ser gás metano (CH4) gás carbônico (CO2), gás sulfídrico (H2S) ou nitrogênio (N), processo que chamamos de fluxo ebulitivo.
Figura 6: Sedimento lacustre
arquivo pessoal, 2017.
Podemos utilizar também, o sedimento em estudos para diagnósticos ambientais quanto ao nível de poluição do ecossistema aquático. Ao contrário da água, onde o poluente geralmente se dilui e se dispersa, o sedimento tem um alto poder de incorporação de diversas substâncias orgânicas artificiais como hidrocarbonetos e organoclorados e substâncias inorgânicas como metais pesados (cobre, chumbo, mercúrio, zinco, cromo). Dificilmente esses elementos são liberados na coluna d’água, assim, há o acúmulo que atingem altas concentrações, facilitando o diagnóstico e até mesmo, a fonte de despejo do poluente.
Como vimos, existe muito mais por trás de uma simples lama nas lagoas. Esses foram apenas alguns exemplos da imensa importância do sedimento lacustre para os ecossistemas aquáticos, poderíamos ficar falando horas sobre ele. Quem sabe num próximo post …
BIBLIOGRAFIA
- Fundamentos de Limnologia/ Francisco de Assis Esteves (coordenador). 3. Ed. Rio de Janeiro: Interciência, 2011.
- Limnologia / José Galizia Tundisi, Takako Matsumura Tundisi. —São Paulo: Oficina de Textos, 2008.