A febre amarela, a zika, a chikungunya e a dengue são doenças tropicais transmitidas por mosquitos e, durante os últimos meses, têm sido tema frequente na mídia nacional e internacional. Os casos de febre amarela, antes restritos a algumas regiões do país, estão chegando aos centros urbanos, onde a dengue foi por muitos verões a única protagonista.
Os casos de febre amarela no Brasil são classificadas entre febre amarela silvestre (FAS) e febre amarela urbana (FAU). Nos casos de FAS o vírus é transmitido por mosquitos dos gêneros Sabethes e Haemagogus, geralmente em regiões de mata fechada e o ciclo da doença se mantém através da infecção de macacos. A febre amarela urbana, entretanto, é transmitida por mosquitos Aedes aegypti e Aedes Albopictus, que já estão bem estabelecidos no ambiente urbano. Eventualmente, quando o homem entra em ambientes de mata fechada, em regiões endêmicas de FAS, pode ser picado por mosquitos dos gêneros Sabethes e Haemagogus e contrair a febre-amarela; ao voltar para a cidade, acaba por tornar-se um hospedeiro em potencial da doença. Ao picar o homem infectado o A. aegypti contrai o vírus e, ao picar uma pessoa saudável, transmite-lho, infectado-a.
NOTA ECOLÓGICA: Tanto o A. aegypti quanto o A. albopictus são espécies exóticas, introduzidas nas Américas a partir de atividades comerciais, como a importação de pneus utilizados e transporte contâineres de madeira, em navios comercias. O A. aegypti é originário do continente africano e o A. albopictusorigináriodo sudeste asiático, ambos encontraram nas Américas – principalmente nos trópicos – um ambiente similar às florestas tropicais asiáticas e africanas, de onde são originários.
Parte do ciclo de vida do Aedes é aquática. Os ovos são depositados por fêmeas adultas em ambientes úmidos ou secos, passíveis de alagamento, e quando o nível da água é favorável os ovos eclodem, dando origem a uma larva que se alimenta de matéria orgânica. A larva transforma-se em pupa e, nessa fase, ocorrem diversas modificações na estrutura corporal que permitem a vida em ambiente terrestre. Na fase adulta o mosquito voa livremente em ambientes terrestres e alimenta-se de sangue (principalmente humano) para a produção de ovos, fechando seu ciclo de vida.
Do mesmo modo, a dengue, a chikungunya e o zika vírus são viroses transmitidas pelo Aedes, que obrigatoriamente necessitam de um vetor para se disseminar, uma vez que humanos ou primatas infectados não são capazes de transmitir a doença. Isto é, a quantidade de vetores junto às condições de saúde da população (imunidade e saneamento, por exemplo) são fundamentais para determinar se uma epidemia vai ou não se estabelecer em uma determinada região.
Seriam os mosquitos o único problema por trás dessas doenças?
No meio urbano, o Aedes encontra diversos micro-habitats naturais e artificiais, favoráveis à sua reprodução e desenvolvimento: são pequenas poças, regiões alagadiças, pratos de plantas com água parada, pneus, depósitos de lixo, garrafas e engradados que podem se tornar um ambiente propício para o desenvolvimento do mosquito. O controle do vetor é feito através da remoção de todos os possíveis reservatórios artificiais de água e aplicação de inseticidas, impedindo a conclusão do ciclo de vida do mosquito. Em ambientes naturais, o mosquito pode usar as poças e lagoas para a sua reprodução, estando sujeitos a processos ecológicos como competição por recursos e espaço, além da predação por peixes, anfíbios e invertebrados.
Entretanto, nas cidades os corpos hídricos estão sujeitos a impactos causados pela atividade humana. O impacto causa um desequilíbrio e pode ocasionar uma mudança na configuração da teia trófica de lagos eutrofizados, por exemplo. Como nesses casos o aporte de nutrientes e matéria orgânica são altos e a diversidade e abundância de peixes e anfíbios muitas vezes é reduzida, as larvas de mosquito encontram um lugar ideal para seu crescimento: alta quantidade de recurso associada a baixa predação.
Especula-se, por exemplo, que o desastre ambiental de Mariana tenha contribuído para o recente surto de febre amarela e que a mortandade de peixes, anfíbios e outros invertebrados como as libélulas tenha contribuído para a reprodução desenfreada de mosquitos, uma vez que estes seriam predadores de suas larvas.
NOTA ECOLÓGICA: Assim como o A. aegypti, as libélulas (também conhecidas como lavadeiras, jacintas ou jacinas) também possuem parte do seu ciclo de vida na água. São vorazes predadores de outros invertebrados aquáticos e alimentam-se larvas.
Outros exemplos no mundo
Outras ações antrópicas como a desmatamento e algumas técnicas de irrigação podem ter efeito sobre artrópodes vetores de doenças, como o mosquito transmissor da malária. Na África, o desmatamento para agricultura e a criação de irrigações (e de áreas alagadas) têm sido apontadas como possíveis causas do aumento da densidade de algumas espécies de mosquitos do gênero Anopheles e do consequente aumento e mudança da dinâmica de distribuição da malária.
A construção de barragens para hidrelétricas, principalmente em áreas de clima tropical como na África, América Latina e sudeste da Ásia, é outro impacto que pode ter repercussão sobre a densidade de artrópodes vetores. Em alguns locais da África observou-se que a construção de barragens, principalmente as de pequeno porte, contribuem para o aumento do número de vetores. No Brasil, apesar de termos tanto o Plasmodium falciparum (parasito causador da malária) quanto mosquitos do gênero Anopheles (o vetor), ainda não foi observado uma correlação no aumento de casos.
Como mudar?
A alta complexidade que rege o equilíbrio ecológico dificulta o apontamento de uma única e simples solução, mas é preciso repensar o modo como significamos o ambiente, tendo a consciência de que tudo que manipulamos em a natureza pode ter consequências às vezes não tão óbvias, mas que certamente causam impacto em nossas vidas. Livrar-se dos criadouros de mosquito da dengue e participar ativamente de ações de combate ao mosquito podem fornecer soluções pontuais e a curto prazo. Entretanto, aprender com outros exemplos, investir na educação ambiental e promover o pensamento crítico acerca das questões ambientais e dos serviços ecossistêmicos, pode ser fundamental para ajudar a avaliar o custo-benefício de intervenções ambientais e na tomada de decisões que possam ter repercussão em questões de saúde pública.
Autor: João Gabriel B. Nogueira
Referências
HUGHES,J.H., PORTER, J.E.
Dispersal of mosquitoes through transportation with particular reference to immature stages. Mosq News 1956; 16(2): 106-11.
EADS, RB.
Recovery of Aedes albopictus from used tires shipped to United States ports. Mosq News 1972; 32(1): 113-14.
BIO-MANGUINHOS.
Febre amarela: sintomas, transmissão e prevenção. Fundação Oswaldo Cruz. 2017. Disponível em <https://www.bio.fiocruz.br/index.php/febre-amarela-sintomas-transmissao-e-prevencao> acesso em 05 de abril de 2017.
MOUSSON, L., et al.
Phylogeography of Aedes (Stegomyia) aegypti (L.) and Aedes (Stegomyia) albopictus (Skuse) (Diptera: Culicidae) based on mitochondrial DNA variations. Genetical Research,86(1), 1-11. 2005.
PEDRO, A. F. P.
LAMA DA SAMARCO E O SURTO DE FEBRE AMARELA. Ambiente Legal. Publicação Online. Disponível em <http://www.ambientelegal.com.br/lama-da-samarco-e-o-surto-de-febre-amarela/> Acesso em 5 de Abril de 2017.
YASOUKA, J. e LEVINS, R.
Impact of deforestation and Agricultural Development on Anopheline Ecology and malaria epidemiology. Am. Journal of Tropical Medicine and Hygiene. 2007.
SANCHEZ-RIBAS, J.; PARRA-HENAO, G., GUIMARAES, A.E.
Impact of dams and irrigation schemes in Anopheline (Diptera: Culicidae) bionomics and malaria epidemiology. Rev. Inst. Med. trop. S. Paulo [online]. vol.54, n.4 [cited 2017-04-05], pp.179-191. 2012.