Você sabia que o ciclo do carbono (C) é um dos mais importantes ciclos biogeoquímicos da natureza, né? Não, e não é só devido ao fato de ser nesse ciclo que se engloba a regulação do gás carbônico (CO2). Dentro deste complexo ciclo biogeoquímico há um pequeno grande compartimento onde a matéria orgânica, rica em C, é metabolizada pelo compartimento biótico, gerando produtos mais ou menos lábeis e reativos. Nos ambientes aquáticos, um destes produtos é o carbono orgânico dissolvido (COD) e suas frações, igualmente importantes para o funcionamento dos ecossistemas aquáticos.
Em um espectro ainda mais amplo, a importância do ciclo do carbono é um aspecto- chave da estruturação de teias alimentares e do fluxo de energia em ecossistemas aquáticos (Moss 1980). A ciclagem de carbono por compartimentos planctônicos, por via direta ou indireta (via microbial-loop – Azam et al., 1983) afeta a transferência de energia entre os níveis tróficos. O metabolismo destes compostos orgânicos dissolvidos, provindos de fontes autóctones e alóctones, domina os fluxos de matéria e energia, e devido ao seu preponderante (porém lento) uso, estes recursos fornecem estabilidade inerente ao ecossistema (Wetzel 2001). Um dos constituintes majoritários do COD são as substâncias húmicas (SH), elas podem ser citadas como uma fração majoritária (50-80% da matéria orgânica dissolvida) em ecossistemas de água doce (Wetzel 2001). Embora historicamente as SH terem sido consideradas ecologicamente inertes, essas substâncias orgânicas atualmente são consideradas “forças” ecológicas, atuando desde o nível individual até o nível ecossistêmico (Steinberg et al. 2006).
Efeitos diretos e indiretos destes compostos são esperados na coluna d’água, como redução do pH, sombreamento e alteração da teia alimentar. E, sabe-se ainda, que as SH interferem com as vias bioquímicas de compostos de interesse, como proteínas, carboidratos e lipídios (Steinberg 2003). E, embora o consumo por organismos heterotróficos (via alça microbiana) seja um papel ecológico importante (Farjalla et al. 2009), as evidências de que as SH são absorvidas por organismos e interagem com os constituintes bioquímicos e suas vias de sinalização (Steinberg et al. 2006; Suhett et al. 2011) são constantes e factuais.
Dentro dos lipídios, os ácidos graxos (AG) são importantíssimos na nutrição do zooplâncton (organismos chave na cadeia alimentar aquática). Uma vez que o zooplâncton pode ser limitado pelo conteúdo energético de seus alimentos, os lipídios (especialmente os AG), com seu alto teor calórico, merecem atenção especial por serem fonte de energia preferencialmente compondo reservas em organismos planctônicos (Goulden & Place 1990). Os ácidos graxos (AG) são ácidos carboxílicos que têm uma longa cadeia alifática e são um grupo muito heterogêneo. Assim, AG particulares têm diferentes formas de obtenção e papéis específicos no metabolismo dos consumidores primários (MüllerNavarra, 1995).
Novas e excitantes pesquisas foram conduzidas nos últimos anos relacionando o uso de AG biomarcadores e as respostas das dietas de organismos aquáticos às diferentes condições ambientais. Revisões atuais, como de Twining et al. (2016), dão atenção intensiva especificamente sobre a pesquisa de AG altamente insaturados (HUFAs), visando o uso desta metodologia e o que resta ainda conhecer.
É na junção destes aspectos importantes – a nutrição de organismos planctônicos, qualidade do recurso disponível para consumidores aquáticos e o efeito do COD e sua fração, as SH – que foi desenvolvida a tese intitulada “ORIGEM E QUALIDADE DO CARBONO DISPONÍVEL NO SESTON PARA A COMUNIDADE ZOOPLANCTÔNICA AO LONGO DE GRADIENTES HÚMICOS: UMA ABORDAGEM EXPERIMENTAL E DE CAMPO”. A tese desenvolvida por mim ao longo dos últimos 4 anos (e meio) foi orientada pelo Prof. Reinaldo Bozelli da UFRJ e co-orientada pela Profa. Dörthe Müller-Navarra da Universidade de Hamburgo, na Alemanha. Defendida no dia 29 de maio de 2017, a tese buscou identificar os principais efeitos do COD para consumidores primários aquáticos, tanto por meio experimental quanto pela análise de dados de campo, provindos das lagoas costeiras do PARNA de Jurubatiba.
De modo a testar a hipótese de que com o incremento da concentração de COD alteraria a qualidade (medida como concentração e composição de AG) do alimento disponível ao zooplâncton, a tese foi exposta em três capítulos: o primeiro, uma revisão bibliográfica que ressalta a ausência de estudos em ambientes com altas concentrações de carbono e a falta de informação relacionada à qualidade nutricional do alimento e às concentrações de COD. O segundo capítulo, empiricamente, demonstra os efeitos diretos do COD sobre a quantidade e composição de AG em consumidores primários (Daphnia pulex) quando alimentados com duas fontes alimentares com qualidade distintas. E, o terceiro, procura elucidar a relação entre qualidade do alimento disponível no seston e variáveis ambientais ao longo de um gradiente natural de COD em ambientes costeiros.
De maneira geral, os resultados alcançados por esta pesquisa possibilitaram ilustrar que o COD e as SH são responsáveis por moldar comunidades aquáticas, ora agindo diretamente (como agente estressor), ora agindo indiretamente (alterando o meio físico e químico circundante) sobre os diferentes compartimentos bióticos.
Frente aos resultados, devemos então ponderar que: para melhor entendermos como alterações no uso da terra e cenários previstos de mudanças climáticas irão alterar processos ecossistêmicos e cadeias alimentares aquáticas, devemos nos atentar também aos efeitos singulares de recursos terrestres e alterações na qualidade e quantidade destes recursos disponíveis para consumidores aquáticos. Baseado no que foi apresentado, a falta de informação acerca de ecossistemas tropicais é preocupante enquanto procuramos buscar teorias unificadoras de processos regulatórios.
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Gostaria de ter acesso a este relatório. Obrigada!
Prezada Luciana.
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Por favor, entre em contato com a autora. Clarice Casa Nova