Olá caros leitores, gostaria de compartilhar com vocês minha experiência em vivenciar um evento científico sobre recuperação de áreas degradadas (RAD). Ao meu ver essa área está intimamente relacionada com o mundo da limnologia e diversas outras áreas de ecologia aplicada. Especialmente nos últimos 30 anos para cá em escala nacional, um dos maiores desafios dos profissionais ligados à área de ciências ambientais, tem sido identificar e solucionar problemas ambientais devido as fortes alterações ecossistêmicas provocadas pelas atividades antrópicas. Tudo isso diante do amadurecimento mundial frente às modificações da qualidade dos recursos naturais e da alarmante perda de biodiversidade. Afinal, fora a importância ecológica, onde nem todos os setores têm interesse, o estado do planeta e a disponibilidade de recursos naturais são fundamentais para a manutenção da vida humana e o andamento dos processos econômicos em um cenário ambiental semelhante ou melhor que o de hoje para as gerações atuais e futuras.
No entanto, como vivenciei o congresso junto com a Maria Silvina, também doutoranda do laboratório onde realizo meu doutorado, gostaria de convidá-la para, através de um formato de diálogo escrito e descontraído, expressarmos nossos diferentes olhares sobre a participação no simpósio.
MOTIVOS QUE NOS LEVARAM AO SIMPÓSIO
RODRIGO: Diante da necessidade de mudar meu enfoque no doutorado, devido a dificuldades orçamentárias para realizar o plano anterior, encontrei um novo desafio junto com meu orientador Prof. Marcos Paulo e o pequeno e recente grupo de estudo de RAD do qual fazemos parte em Macaé. O novo desafio girava em torno das possíveis soluções, inicialmente em escala experimental, para um acidente ambiental ocorrido em um empreendimento próximo a uma área de monitoramento e consultoria ambiental dos laboratórios de limnologia e ictiologia da UFRJ. O novo desafio proposto pelo Prof. Reinaldo, diante de seu olhar experiente a respeito de ações que podíamos desempenhar em parceria com outros colegas acadêmicos e com a empresa responsável pelo empreendimento, caracteriza-se como um trabalho onde devemos unir diferentes saberes e métodos eficazes para desenvolver um trabalho de recuperação de um pequeno riacho degradado devido a atividades de mineração. Sendo assim, achei a proposta do simpósio de RAD ótima para tirar dúvidas sobre modelos matemáticos, que inicialmente pensamos em aplicar, aguçar meu pensamento crítico sobre o tema, e trazer novas ideias eco-amigáveis para enriquecer nossas discussões internas. Acho que foi mais ou menos isso, e você Silvina, o que te motivou?
SILVINA: Inicialmente, gostaria de comentar que meu projeto de doutorado se baseia no desenvolvimento de um índice multimétrico como instrumento para subsidiar programas de biomonitoramento de riachos (igarapés) amazônicos, utilizando a comunidade de macroinvertebrados bentônicos para tal fim. Dentro deste contexto, vejo o meu trabalho mais orientado para a ecologia aplicada que para a ecologia teórica devido a proposta do mesmo, gerar como resultado, uma ferramenta importante para fazer uma avaliação rápida e eficaz destes ambientes. Porém, esta mesma ferramenta poderia ser útil como indicadora de acompanhamento das possíveis mudanças atingidas por técnicas usadas em RAD nestes ambientes. Assim, os temas relacionam-se, onde técnicas de recuperação de ambientes aquáticos podem ser muito beneficiadas por indicadores de acompanhamento que facilitem avaliar estas mudanças. Neste sentido, é essencial poder entender o que são os trabalhos de RAD e como podemos inserir estas ferramentas nos mesmos. Sendo assim, concluo que foi importante comparecer no simpósio sobre esta temática, com proposta bem distinta dos eventos científicos que participei até o dia de hoje. Após três Congressos Brasileiros de Limnologia (CBL), entre outros, nos permitimos explorar uma nova área, mais aplicada, mais voltada para a resolução de problemas que a entender o problema. É uma área à qual não podemos fugir, porque é aí que hoje podemos encontrar a maioria dos olhares desejosos por soluções que consigam dar uma resposta a muitos os erros cometidos no passado, sendo que alguns continuam no presente e se estenderão para o futuro. Os programas de RAD, na minha perspectiva, estão sendo algo como a máquina do tempo de “De Volta para o Futuro”, numa tentativa incansável de atingir o que uma vez já foi, ou uma condição semelhante.
FORMATO E PARTICIPANTES DO SIMPÓSIO
RODRIGO: O formato do simpósio no âmbito de sessões de pôster, apresentações orais de palestrantes convidados, mini palestras de estudantes e cursos de curta duração com ementas relacionadas ao tema do evento, foi semelhante ao que já vi em outros eventos científicos. A qualidade do material apresentado e o conhecimento técnico dos palestrantes foram excelentes. O que ficou um pouco a desejar foi a organização do tempo para tudo fluir de forma harmoniosa, mas mesmo assim, insuficiente para estragar os pontos positivos do evento.
Tenho que destacar uma característica que me chamou muito a atenção, e eu diria que talvez tenha sido o maior diferencial deste evento em relação aos outros eventos científicos que já participei. Foi a respeito da distribuição de palestrantes para o setor da academia, de empresas de consultoria ambiental, empresas de setores variados em busca de soluções para seus problemas ligados ao meio ambiente e de órgãos públicos ambientais. Os acadêmicos com diversas linhas de pesquisa interessantes voltadas à problemas que demandam atenção ambiental a nível nacional, como aqueles originados das áreas de agropecuária, mineração, óleo e gás, e urbanização. As empresas de consultoria apresentaram técnicas eficazes e experiências em situações diversas frente a ecossistemas degradados. As grandes empresas e grupos exploradores de recursos naturais mostraram suas inovações nos campos de pesquisa e aplicação de medidas de prevenção, recuperação e suas demandas por mais conhecimento frente a seus constantes desafios ambientais. Já os órgãos públicos, destacaram seus desafios com acidentes ambientais em relação a redução na qualidade dos solos, do ar e principalmente da água e a manutenção destes recursos para o uso humano e para a preservação da biodiversidade. Estas características de diferentes partes interessadas, tornou as discussões extremamente ricas e complementares a respeito da conservação de ecossistemas e a respeito da identificação, diagnóstico e solução de acidentes ambientais.
NOSSOS INTERESSES ESPECÍFICOS
RODRIGO: Meus principais interesses neste evento científico foram: i) procurar subsídios para realizar a modelagem de escoamento superficial e assoreamento na minha área de estudo do doutorado; e ii) ter um contato orientado e mais profundo com as técnicas de engenharia natural. Meu primeiro interesse foi sanado através de uma palestra e uma importante conversa com pesquisadores da UNB, o que me levou a repensar sobre este capítulo na tese. Acho que o maior esclarecimento para mim, foi ter a sensibilidade de entender que com nossa escassez de dados históricos no desafio de propor formas de avaliação de impacto na minha área de estudo, eu não poderia prosseguir com a elaboração do modelo. E sim…, um evento científico serve para nos dar asas e também para colocar nossos pés no chão. O que é excelente em relação ao amadurecimento científico.
No entanto, em relação ao segundo interesse, minha recompensa me deixou muito entusiasmado através de um minicurso sobre bioengenharia, ministrado pela pesquisadora e doutoranda Rita Sousa, do grupo de pesquisas em engenharia natural da UFSM. Percebi que é possível fazer um projeto de RAD através da manipulação de elementos naturais (pedras e vegetais) como material de construção e estabilização geotécnica e hidráulica de riachos e taludes degradados. Entendi que estes elementos podem ser utilizados ainda como enriquecedores de habitats, tornando-os mais heterogêneos ou possibilitando recuperar a heterogeneidade de habitats em ecossistemas que a perderam. E finalmente descobri que, apesar da escassez de trabalhos sobre isso no Brasil, no nosso país existem alguns grupos que trabalham com isso há anos e que podem ser potenciais colaboradores numa pesquisa desta natureza. Sem dúvida, acho que foi o divisor de águas para elaborar o projeto de doutorado de forma mais ajustada ao ambiente que vou lidar junto ao meu grupo de pesquisa, com o problema ambiental que estamos enfrentando e com o que podemos fazer em colaboração com outros pesquisadores. O networking com a palestrante e com outros alunos foi muito interessante e sugiro a leitura do livro dos professores Miguel Durlo e Fabricio Sutilli (2012) intitulado Bioengenharia – Manejo Biotécnico de Cursos de Água. E você Silvina, o que extraiu daquele curso bacana voltado para área de legislação e áreas contaminadas?
SILVINA: O meu interesse no congresso foi, principalmente, entender os projetos de RAD desde sua base. Por isso, além de participar da maioria das palestras, apresentação de pôster e trabalhos orais, decidi também participar de um dos minicursos, o qual estava baseado na temática “Gerenciamento de Áreas Contaminadas em Áreas de Mineração”. Partindo do princípio que os riachos amazônicos nos quais baseio o meu estudo de doutorado recebem o impacto direto e/ou indireto de atividades de mineração, no escopo de dois projetos de biomonitoramento para avaliar a influência das minerações sobre estes ambientes, achei muito pertinente a realização deste minicurso. É essencial conhecer o marco da legislação brasileira em relação à exploração dos recursos minerais no país. Saber quais são as normativas e leis federais que regulamentam esta atividade, quais são as medidas a serem tomadas em casos de degradação ambiental decorrente da própria atividade ou de acidentes que possam vir a acontecer, e quais são as grandes lacunas em relação a estes temas dentro da legislação. Tudo isso é de grande importância para quem trabalha e desempenha atividades em ambientes sob atividades de mineração. Outro detalhe é que o curso foi ministrado pelo membro de uma empresa de consultoria ambiental especializada na área de planejamento territorial, licenciamento e gestão ambiental de empreendimentos e gerenciamento de áreas contaminadas, o que me passou uma visão bem completa e estratégica do nosso papel como biólogos na área voltada ao mercado privado.
CIDADE DO EVENTO: CURITIBA
SILVINA: O congresso foi realizado na cidade de Curitiba (PR), mais especificamente na Universidade Federal do Paraná. Mas nem tudo quando vamos para um congresso é participar do congresso, né? É importante aproveitar estes encontros para conhecer o local onde estamos, a história e a cultura do mesmo. Conhecer e aprender de tudo aquilo que possa nos enriquecer, não só em nível de conhecimento, senão também de espírito. Então além de irmos todo dia para o congresso e assistirmos as melhores palestras e mesas redondas, também fizemos um pequeno tour pela linda Curitiba.
Para quem não conhece Curitiba, esta é a capital do Estado de Paraná, e a mesma possui grandes belezas naturais e arquitetônicas para serem visitadas e admiradas. Na cidade podemos encontrar o seu famoso cartão postal, o Jardim Botânico com seu jardim europeu e a estufa de vidro, cheio de plantas no seu interior. Além disso, visitamos a Ópera de Arame, um teatro de três andares feito só de canos e arames (por isso de “arame”), que se encontra rodeada por um lago artificial, sobre o qual passa uma ponte para poder ingressar na Ópera. Também visitamos o famoso e interessante museu do “olho”, desenhado pelo famoso arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer, e tentamos entender várias das exposições que estavam acontecendo. Outro ponto visitado na cidade, já menos turístico, mas de grande interesse para um sulino, foi o Museu Paranaense ou também conhecido como “Museu do Mate”, que no seu interior não tem só mate, senão a vasta história de uma das famílias mais importantes de Curitiba. E como não podia faltar para dois biólogos, visitamos o Zoológico de Curitiba, e debatemos a necessidade (ou não) dos mesmos para a educação ambiental da sociedade. Mas isso não foi tudo, também visitamos outras áreas da UFPR, fora as salas do simpósio, e descobrimos e apreciamos essa linda universidade, com uma história única e muito reconhecida em muitas das suas áreas, principalmente por alguns cursos como Engenharia Florestal, também envolvida fortemente com os projetos RAD.
RODRIGO: Adorei o clima e organização de Curitiba. O transporte público funciona de forma muito eficiente, sem atrasos, sem superlotação, um exemplo de governança neste sentido. As vias muito bem preservadas e sinalizadas, pelo menos no centro histórico, nos arredores do Jardim Botânico e do Zoológico, e no caminho para o aeroporto. O tratamento do curitibano em vários serviços da cidade é fantástico, me pareceu um povo muito cortês e solícito. Sobre o tour na cidade, além de ter adorado os passeios que a Silvina já mencionou, também achei excelente a oportunidade de visitar o Museu Paranaense com uma história riquíssima e com um destaque muito interessante para tribos indígenas da região. Foi uma viagem excelente do ponto de vista profissional e cultural.
Aproveito para agradecer todo o apoio do laboratório e estímulo dos professores para participarmos do evento. Agradeço a você leitor pela sua atenção e estamos aguardando ansiosamente seu comentário. Um abraço e até logo.
Ótimo texto! Bastante explicativo, e mesmo não sendo da área, fiquei interessado pelos assuntos.
De quebra ainda ganhei sugestões de lugares para visitar quando eu for a Curitiba.
Parabéns!
Obrigado pelo interesse!
Parabéns dupla, pelo conteúdo e forma do texto. Muito interessante e enriquecedor.
Parabens!! Gostei muito da forma que foi escrito o texto, além de conhecer sobre o simpósio, conheci um pouco sobre a cidade de Curitiba.