Expedições científicas para coletar espécies amazônicas têm uma história longa e estão registradas em diversos livros desde a dita Descoberta do Brasil. O Rio Negro tem suas águas exploradas em busca de peixes desde o século XIX, com as expedições de Alfred Wallace, e tem sido intensamente explorado desde então por banhar Manaus, um dos maiores centros urbanos da Amazônia. Ainda assim, novos peixes amazônicos são descobertos pela ciência ano após ano, e se escondem do conhecimento público debaixo d’água – e, muitas vezes, debaixo das folhas.
Esse é o caso de um peixe peculiar descrito este ano. Tarumania walkerae, como foi denominado pelos pesquisadores que o descreveram, habita depósitos de folhiço em poças temporárias na floresta amazônica. Muitas vezes, essas poças não possuem nem coluna d’água. E, como era de se esperar, a Tarumania consegue captar ar e guardar em sua boca por curtos espaços de tempo, o que lhe dá uma ferramenta extra de respiração. Mas isso é apenas uma das características que a tornam um peixe muito diferente de todos os outros já descritos na Amazônia.
Tarumania apresenta um conjunto de características que a colocam claramente numa ordem chamada Characiformes, mas difere de todas as famílias da ordem. Ela tem um corpo anguiliforme, consegue mover suas nadadeiras pélvicas descoordenadamente até 180º anteriormente, e possui uma bexiga natatória comprida e formada por numerosas câmaras. Como se não fosse o suficiente, a Tarumania ainda consegue girar o pescoço. Bom, o “pescoço”. A espécie não possui um pescoço propriamente dito, mas consegue girar a cabeça até um ângulo reto ao corpo.
Todas essa peculiaridades, e mais algumas, a tornaram um desafio para o grupo de pesquisadores que a descreveu. Coletada pela primeira vez em 1999, mais de um século depois das primeiras expedições no Rio Negro, a espécie aguardou 18 anos até sua descrição formal. Por não se encaixar bem em nenhuma outra família de peixes Characiformes, uma nova família foi descrita para abrigá-la dentro da ordem Characiformes (Tarumaniidae). Sua posição filogenética ainda é incerta, mas sua morfologia sugere um parentesco com as traíras (Erythrinoidea), peixes carnívoros que habitam o Brasil inteiro.
Se a história evolutiva da Tarumania é incerta, uma coisa é certa: esse peixe ainda esconde muitos segredos que podem nos ajudar a entender a evolução dos vertebrados. Além disso, se um local tão próximo de um dos maiores centros urbanos e intensamente explorada escondia um peixe diferente de todos os outros que a ciência já tinha visto, imagine o que o resto da Amazônia ainda pode estar escondendo.
Referências
De Pinna, M; Zuanon, J; Py-Daniel, LR; Petry, P. 2017. A new family of Neotropical freshwater fishes from deep fossorial Amazonian habitat, with a reappraisal of morphological characiform phylogeny (Teleostei: Ostariophysi). Zoological Journal of the Linnean Society, XX: 1-31.
Adorei seu texto! Nos prende do título à conclusão.. usa jogo de palavras, mistura imagem e texto de forma simples e precisa! Parabéns!