Semana passada, estava assistindo alguns dos quinze esportes do programa dos Jogos de Pyeong Chang. Fiquei admirado com a precisão do Curling, a velocidade do Bobsled, a plasticidade da Patinação artística, com os contatos das partidas de Hóquei, onde não sei se o principal objetivo era acertar o disco (no gol, é claro) ou o adversário, Isso sem falar nas modalidades de esqui, onde podemos observar manobras de grande emoção, seja pela velocidade ou pelos saltos que além da altura apresentam várias acrobacias. Não pude deixar de reparar na importância da água para prática destes esportes. Apesar de não encontrar uma gota de água, no estado líquido é claro, a presença da água no estado sólido (gelo ou neve) é fundamental para prática destes esportes. Tais modalidades nasceram através de atividades ao ar livre, utilizando patins, esquis ou trenós, em lagos congelados, ou locais cobertos por neve.
O gelo, assim como a água pura é constituído exclusivamente por moléculas de água. Como abordado no texto “Água: Livre no copo d’água ou aprisionada numa pedra de esmeralda?” (publicada nesta página em 11 de maio de 2017), a presença de água sob diferentes estados físicos, depende das condições de temperatura e pressão, como no estado sólido (neve e geleiras) ou gasoso (vapor d´água, formação das nuvens). A possibilidade de encontrar a água na natureza sob suas diversas formas ocorre graças a sua estrutura particular (Figura 1).
Uma das propriedades mais conhecidas, e interessantes da água, é o seu comportamento entre 0 e 4°C. Em geral, com o aumento da temperatura ocorre a dilatação dos corpos. O que não difere para água em valores abaixo de 0°C e acima de 4°C. Com a fusão do gelo ocorre alteração de sua estrutura cristalina, com a formação de “buracos”. À medida que a temperatura do líquido vai aumentando, a destruição da estrutura molecular se acentua, os espaços intermoleculares tornam-se cada vez menores, e consequentemente a densidade aumenta atingindo seu máximo em aproximadamente 3,98ºC. Essa particularidade tem importância em uma série de aspectos, como:
– manutenção da vida no fundo de um lago ou rio sobre inverno rigoroso, através da formação de uma crosta, menos densa que acaba flutuando na superfície, mantendo a parte inferior no estado líquido. Enquanto na superfície os praticantes de patinação ou hóquei deslizam a vontade;
– a água da seiva dos vegetais, com a dilatação, pode romper o tecido celular, destruindo o vegetal;
– destruição de embalagens, como a garrafa de vidro da cerveja, esquecida no congelador da geladeira.
E no caso da água nas nuvens? Em altitudes nas quais a temperatura atinge valores inferiores a 0oC, pode ocorrer a formação de cristais de gelo. Este é um ambiente altamente favorável para o rápido crescimento dos cristais através do fenômeno da difusão. Nesta situação o vapor da nuvem está basicamente saturado em relação à água liquida, porém está super-saturado em relação ao gelo. Mas nem todos estes cristais são iguais, a sua forma depende: do tipo da nuvem, temperatura e ao tempo de existência da nuvem. Através do Diagrama de morfologia de cristais de gelo, estão apresentados o tipo de formação dos cristais de neve e em que condições eles são formados (Figura 2).
Existe uma infinidade de cristais de gelo. Observados ao microscópio apresentam formas variadas de extrema beleza (Figura 3).
Os Jogos de Inverno estão se aproximando do seu centenário, pois a primeira olimpíada de inverno aconteceu em 1924, na cidade de Chamonix, na França. Mas estudos apontam para um cenário preocupante para um futuro recente quanto a realização deste evento. A elevação da temperatura do planeta, causada pelo aumento da emissão de gases estufa (principalmente dióxido de carbono e metano) pode inviabilizar praticamente todas as sedes olímpicas até 2080. Preocupado com esta situação o esquiador Andrew Newell, dos Estados Unidos, criou a “Athletes For Action”, que envolve atletas de alto rendimento na briga contra o aquecimento global. Além disso, ele lançou um crowdfunding (modalidade de investimento onde várias pessoas podem investir pequenas quantias de dinheiro no seu negócio, geralmente via internet, a fim de dar vida à sua ideia) para arrecadar verba para trabalhos que, como ele intitula, ajudariam a “proteger o inverno“.
Em geral, a neve usada para os Jogos de Inverno é artificial. No caso das Olimpíadas de Pyeong Chang, pelo menos 98% da neve era artificial. Na verdade, estas máquinas não produzem neve por conta própria. Estes equipamentos, liberam um potente jato de gotículas d´água. Ao encontrarem uma atmosfera muito fria acabam se solidificando. Por isso, a temperatura ambiente deverá estar a pelo menos -2oC e ambiente seco, umidade inferior a 50%. Além disso, para auxiliar na cristalização as gotículas de água apresentam partículas microscópicas. Estas partículas provocam a diminuição de energia da água, facilitando seu congelamento. Outra grande utilidade destas máquinas, é a produção de uma neve mais seca, facilitando o deslize.
Pequim, que será a sede das Olimpíadas de 2022, de forma inédita será a primeira cidade a sediar os Jogos de Verão e de Inverno, possui um desafio importante, pois a região onde ocorrerão os eventos não recebe quantidade de neve suficiente. Para realização dos Jogos, os organizadores chineses dependerão inteiramente de neve artificial. Esta neve precisará ser produzida com antecedência e armazenada em depósitos, pois como foi visto, a produção da neve depende das condições climáticas ideais. Mas o desafio não para por aí. A neve será feita em uma área que já sofre com um “grave estresse hídrico”, se tornando “cada vez mais árida”. Devido à falta de chuva, a água para fazer a neve será retirada de reservatórios, gastando suprimentos de água potável. Outra questão de grande importância, e que as pistas de esqui e a Vila Olímpica serão construídas próximas a uma reserva natural. Além disso, ocorreram apelos de grupos de direitos humanos para que o COI não levasse outro evento olímpico para Pequim, em função da falta de avanços a esse respeito desde os Jogos de 2008.
Como podemos observar, a realização dos Jogos Olímpicos não estão vinculados a questões sócio ambientais. O que pode contribuir para inviabilizar a realização de futuros Jogos, em função de uma política pouco comprometida com práticas ecologicamente corretas. A preocupação em fazer neve e criar estruturas para superar situações adversas, não passa por uma mudança de postura capaz de manter as condições necessárias para realização de atividades esportivas de inverno. Pois a verdadeira competição deve incluir uma busca pelo consumo consciente, preocupação com a biodiversidade, diminuição da emissão de gases estufas, redução do lançamento de esgoto in natura nos corpos d´água e preocupação com contaminação de uma série de produtos químicos nocivos a saúde e ao meio ambiente.
Fonte:
https://veja.abril.com.br/esporte/conheca-as-modalidades-disputadas-na-olimpiada-de-inverno/
http://portuguese.xinhuanet.com/2018-02/24/c_136996978.htm
http://memoriaglobo.globo.com/programas/esporte/eventos-e-coberturas/olimpiadas-de-inverno/olimpiadas-de-inverno-historia.htm
https://mundoestranho.abril.com.br/tecnologia/como-funcionam-as-maquinas-de-fazer-neve/
https://elvidner.wordpress.com/2015/08/24/cristais-de-gelo-no-microscopio/http://gizmodo.uol.com.br/esta-e-a-montanha-sem-neve-que-sediara-os-jogos-olimpicos-de-inverno-em-2022/
Ei Cláudio, enxergando água em tudo. Água é vida, saúde, alegria, diversão e tantas coisas mais!