Quem nunca ouviu o clássico dos Titãs “Não vou me adaptar”, composição do gigante Arnaldo Antunes, que fala sobre um homem que se depara com a vida adulta e as mudanças nesta fase da vida. O medo típico de quando nos deparamos com um desafio inevitável.
É exatamente essa a realidade quando falamos das mudanças climáticas.
Porém, neste caso, não teremos alternativa: vamos ter que nos adaptar!
A importância da adaptação às mudanças climáticas surge do fato que estratégias de mitigação não poderão garantir o nosso bem-estar no futuro climático que se aproxima. Ah, não sabe o que é mitigação? Quando falamos em mitigação às mudanças climáticas, estamos falando em reduzir a quantidade de gases de efeito estufa na atmosfera, cujo o aumento oriundo das atividades antrópicas é a principal causa das mudanças no clima. Para isso, podemos retirar o que já está na atmosfera ou reduzir as emissões destes gases. No entanto, estas iniciativas não tem um efeito imediato e o clima tem este “atraso” na resposta, o que faz com que as mudanças climáticas sejam, de fato, um desafio inevitável.
Sem dúvida, a solução não virá de um lado só. Precisaremos continuar e reforçar iniciativas de mitigação, investir em tecnologia e pensar em ajustes espaciais para as pessoas e cidades.
E se a gente mantivesse a biodiversidade? Isso nos protegeria ou minimizaria os efeitos das mudanças climáticas?
Bom, já discutimos aqui as múltiplas funções, formas de entender e medir a biodiversidade. Dá uma olhada nessa, nessa, nessa, nessa e nessa publicação. Legal, né? Mas o que tem sido feito em relação às mudanças climáticas? Em uma revisão recente produzida pelo Laboratório de Limnologia e liderada pela Dra. Aliny P. F. Pires, o artigo: “Is Biodiversity Able to Buffer Ecosystems from Climate Change? What We Know and What We Don’t?” que será publicado na renomada revista britânica Bioscience (DOI: 10.1093/biosci/biy013), reporta a capacidade da biodiversidade em estabilizar funções ecossistêmicas diante de diversos estressores, incluindo os climáticos. A grande conclusão deste trabalho é que a biodiversidade é capaz de minimizar os impactos de distúrbios nos ecossistemas, mas que em relação às mudanças climáticas este efeito é menos pronunciado. No entanto, os autores ponderam o grande viés referente ao tipo de estudo, incluindo o uso de estressores e o tipo de métrica de estabilidade utilizado. Além disso, em algumas condições, os estressores climáticos apresentaram diferenças importantes em relação à magnitude e direção da resposta. Os autores argumentam que os experimentos manipulam a diversidade em uma escala espacial menor que aquela adequada para a observação dos potenciais efeitos tamponantes das mudanças climáticas. É esperado que em escalas espaciais maiores a biodiversidade tenha um papel mais relevante para proteger os ecossistemas das mudanças climáticas.
Esta é a lógica do conceito de “Adaptação baseada em ecossistemas” (AbE) ou do inglês “Ecosystem-based adaptation”, a qual prevê que a conservação e recuperação da biodiversidade pode diminuir a vulnerabilidade de pessoas e ecossistemas, garantindo os serviços que estes proveem. Por exemplo, a conservação do manguezal protege as regiões costeiras da ação marinha, ao mesmo tempo que estoca uma quantidade enorme de carbono, é habitat para diversas espécies e fonte de renda para diversas famílias. Conservar o manguezal é, portanto, nos proteger das mudanças climáticas, garantindo bem-estar e desenvolvimento socioeconômico. Este é um conceito ainda novo, mas que ganha força no mundo todo e tende a se tornar uma das principais estratégias de adaptação às mudanças climáticas. Ficou interessado no tema? Dá uma olhada nessa revisão feita pelo Dr. Fábio R. Scarano (UFRJ e Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável), onde ele esclarece e revisita alguns conceitos, bem como dá alguns exemplos de como a conservação da natureza pode ajudar a nos adaptar às mudanças climáticas, usando o conceito de AbE.
Portanto, antes de responder a pergunta que fiz, é importante entender as escalas espaciais propostas. Em uma comunidade, onde as espécies estão ajustadas a mesma condição climática, é pouco provável que a diversidade minimize os efeitos de mudanças no clima. Em escalas espaciais maiores, onde a biodiversidade é tratada de uma forma sistêmica, além de proteger a natureza das mudanças climáticas, ela pode viabilizar o desenvolvimento sustentável.
Então, caro leitor, é possível e urgente nos adaptar às mudanças climáticas! E podemos contar com a biodiversidade neste processo… Ou você vai preferir ficar perdido como o cara da música?
“Será que eu falei o que ninguém ouvia?
Será que eu escutei o que ninguém dizia?
Eu não vou me adaptar!”
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