English version at the end
Nas últimas semanas, fomos bombardeados por notícias veiculadas em websites de grandes revistas científicas, como Nature e Science, sobre problemas de ansiedade e depressão enfrentados por alunos de mestrado e doutorado. As notícias veiculadas são baseadas nos artigos científicos publicados nas revistas Nature Biotechnology e Research Policy. O primeiro estudo em questão foi baseado em respostas dadas por estudantes do mundo inteiro e aponta que alunos de pós-graduação são cerca de 6 vezes mais propensos a terem depressão ou ansiedade que o restante da população. O segundo foi realizado com alunos de doutorado belgas, mostrando que cerca de um terço dos estudantes estão tendo ou desenvolvendo distúrbios psiquiátricos – principalmente, depressão. Se você convive no meio acadêmico, sabe muito bem que esse problema não surgiu no último mês, junto com as notícias. Neste texto, pretendo unir a minha experiência pessoal, enquanto portadora do Transtorno de Ansiedade Generalizada e aluna de doutorado da melhor universidade do Brasil (segundo o ranking universitário da Folha de 2017), às causas apontadas pelos estudos prévios para tentarmos entender o que há de “tão especial” na vida acadêmica e o que está por trás desse padrão.
Ilustração: Pedro Hamdan/ SAÚDE é Vital
I) O perfil do aluno de pós-graduação
Pessoas que escolhem fazer mestrado e/ou doutorado tendem a ser aquelas com a imagem do “bom aluno”, preocupando-se com os estudos, com suas notas e em alcançar os objetivos estabelecidos pelos professores. Esse tipo de comportamento, geralmente, vem associado com uma característica que pode ser devastadora para a saúde mental de uma pessoa: a auto-cobrança. Quando exigimos demais de nós menos, tornamos-nos mais propensos à falha. Numa simples analogia, pensemos em um atleta de salto com vara. Nessa modalidade, os competidores usam uma vara para alcançar maior altura e passar por cima de uma barra. Quanto mais baixo a barra estiver, mais fácil será ultrapassá-la. Agora, quando a barra está em seu nível máximo, quantas vezes você vai fracassar até conseguir passar por cima dela? Inúmeras vezes ou talvez nem mesmo consiga! Esse é o problema de quem se cobra demais. Quando o seu nível de exigência em relação ao seu rendimento acadêmico está alto demais, mais difícil será alcançar os seus objetivos e, com isso, mais propenso às frustrações nós ficamos. As frustrações podem vir acompanhadas por desestímulo e tristeza, fazendo com que percamos as esperanças em nós próprios e em nossas capacidades. Acredite, existe um limite saudável para a sua “barra de exigências”.
II) O relacionamento com o orientador
Um dos estudos citados no início deste texto aponta que, cerca da metade dos alunos acometidos com ansiedade ou depressão, discordam que seus orientadores de fato os orientem ou que os apoiem. Para quem conversa com alunos de outros laboratórios ou de outros Programas de Pós-Graduação, sabe que essa é uma realidade bem comum. Teoricamente, o orientador existe, mas não cumpre com o real significado da palavra que o designa. A verdade é que, caso os alunos não precisassem do auxílio de alguém mais experiente para tocarem suas dissertações e teses, o papel de orientador simplesmente não existiria! Como essa não é a nossa realidade, pressupõe-se que os alunos de Pós-Graduação não executem seus respectivos trabalhos desassistidos.
Resolvi fazer uma busca em um grupo do Facebook de alunos de Pós-Graduação, buscando pela palavra “orientador” nas postagens mais antigas. Dentre as publicações mais relevantes, as considerações dos alunos variaram, mas, a maioria, com opiniões negativas sobre os mesmos. Como alguns exemplos dos resultados da busca, estão situações em que o orientador não lê o trabalho do aluno antes da defesa e não responde aos seus e-mails, ou seja, a maioria das publicações tendem a ser voltadas ou para o perfil do “orientador que não orienta”. Pelo visto, essa parece ser uma realidade bem comum à maioria dos estudantes de mestrado e doutorado no Brasil.
III) Instabilidade financeira e não-reconhecimento da profissão
Alunos de mestrado e doutorado, muitas vezes, são restringidos a se ocuparem exclusivamente das suas dissertações e teses, mantendo-se fora do mercado de trabalho formal, por exigência dos órgãos de fomento à pesquisa que bancam as bolsas de estudo. Assim, cada vez que se finda um ciclo da pós-graduação, vem aquele medo do “e agora, vou fazer o quê?”. Além disso, não somos reconhecidos como profissionais, e sim, como estudantes. Questionamentos do tipo “quando você vai parar de estudar e achar um emprego?” ou “quando você vai ter um emprego de verdade?” são muito comuns na nossa rotina. Infelizmente, ainda vivemos em um país onde o trabalho intelectual é pouco compreendido. Pregar parafuso é um trabalho, mas estudar um assunto não. De fato, muitas pessoas são pressionadas por suas famílias a terem “um emprego de verdade”, tendo que levar a Pós-Graduação sem o apoio de seus familiares.
Quando se iniciaram os debates sobre a Reforma da Previdência, resolvi fazer a simulação da idade com a qual eu me aposentaria. Percebi que era melhor eu desistir de pensar em me aposentar e começar a pensar em trabalhar até a morte, afinal, só me aposentaria aos 75 anos!
IV) Relação trabalho-vida pessoal
Em um dos artigos citados anteriormente, 56% dos alunos acometidos com ansiedade severa ou moderada discordaram da frase “Eu tenho um bom equilíbrio entre a minha vida pessoal e profissional”. A verdade é que a auto-gestão do tempo é uma “faca de dois gumes” para os pós-graduandos. Por um lado, temos a liberdade de escolher quando e onde trabalharemos em determinada coisa, mas, por outro, pequenos deslizes na gestão do tempo pode fazer com que não consigamos executar as tarefas previstas. Não necessariamente a não-realização de atividades é gerada por procrastinação ou desleixe do aluno. Por mais que planejemos o dia, sempre pode haver um imprevisto – como, por exemplo, um colega de laboratório que pede ajuda em uma determinada atividade -, faça com que, ao final do dia, a nossa lista de afazeres não seja completada. Assim, vamos para casa com a sensação de que não fizemos tudo que devíamos e, então, começamos a utilizar horários “alternativos”, como os finais de semana, para realizá-las. A questão é que, se você trabalha nos horários em que você teria disponível para estar com a sua família ou se divertindo com os amigos, você simplesmente passa a não ter mais esses horários de lazer. Todos sabemos dos prejuízos que a falta de interação social e diversão podem trazer para a nossa saúde mental, mas, o fato é que quem quem atua na área acadêmica dificilmente consegue chegar ao final do dia, desligar seu computador e se desligar completamente de seu trabalho até o dia seguinte.
E agora?
Acredito que os primeiros passos a serem dados são por nós mesmos, integrantes da comunidade acadêmica. Como todos nós bem sabemos, as políticas das Universidades públicas são implementadas em passos lentos e carregados de burocracia. Para que essas estatísticas não se tornem ainda mais “deprimentes” daqui a alguns anos, precisamos ressignificar as relações humanas nos Programas de Pós-Graduação e em nossos laboratórios. Devemos pensar no acolhimento e integração dos estudantes recém-ingressados e acredito que as coordenações das Pós-Graduações deveriam, de alguma forma, estarem dispostas a ouvirem a opinião dos alunos em relação aos seus orientadores e ponderá-las. Independentemente das possíveis soluções que podemos discutir, um importante avanço está sendo dado nesse momento, no qual estamos discutindo um assunto que, por muito tempo, foi silenciado no ambiente acadêmico. Somente a partir do reconhecimento dos problemas é que podemos pensar nas soluções.
E você, em quais possíveis soluções você apostaria para que mudemos o panorama da saúde mental dos alunos de Pós-Graduação? Será um prazer receber o seu comentário!
MSc and PhD in Psychiatric disorders
In the last few weeks, we have been inundated by news on websites of major scientific journals, such as Nature and Science, about anxiety and depression problems faced by Master’s and Doctoral students. They are based on scientific articles published in the journals Nature Biotechnology and Research Policy. The first study was based on answers given by students worldwide and points out that graduate students are about 6 times more likely to have depression or anxiety than the rest of the population. The second was conducted with Belgian doctoral students, showing that about a third of students are having or developing psychiatric disorders – mainly depression. If you live in the academic world, you know very well that this problem did not come up in the last month, along with the news. In this text, I intend to join my personal experience, as a Generalized Anxiety Disorder patient and a Ph.D. student at the best university in Brazil (according to the Brazilian Universities ranking in 2017), and the causes pointed out by previous studies to try to understand what is “so special” in academic life and what lies behind that pattern.
I) The Profile of graduate student
People who decide to get masters and /or doctorates degrees usually tend to be those considered as “good students,” worrying about their studies, their grades, and achieving the goals set by teachers. This type of behavior usually comes with a characteristic that can be devastating to a person’s mental health: self demand. When we demand too much of ourselves, we become more likely to failure. In a simple analogy, let’s think of a pole-vaulting athlete. In this sport, competitors use a stick to reach higher height and move over a bar. The lower the bar is, the easier it will be to overtake it. Now, when the bar is at its maximum level, how many times will you fail until you can get over it?
Countless times or maybe never! And that is the problem of a person that demands too much. When your level of demand for your academic achievement is too high, it will be harder to achieve your goals and thus more likely to frustration. Frustrations can be accompanied by discouragement and sadness, causing us to lose hope in ourselves and in our abilities. Believe me, there is a healthy limit to your “bar of requirements”
II) The relationship with the advisor
One of the studies cited at the beginning of this text points out that about half of students with anxiety or depression disagree that their advisors do indeed orient or support them. For those who talk with students from other laboratories or other Graduate Programs, know that this is a typical reality. Theoretically, the advisor exists, but does not play the real role that the word definition is supposed to. The truth is, if students did not need the help of someone more experienced to deal with their dissertations and theses, the role of na advisor simply would not exist! Since this is not our reality, it is assumed that the graduate students do not develop their respective tasks unassisted.
I decided to check out a Facebook group of graduate students by searching for the word “advisor” in older posts. Among the most relevant publications, the students’ considerations varied, but most of them had negative opinions about it. For example, there are situations where the advisor does not read the student’s work prior to the defense and does not respond to their e-mails, which means that most publications point to the “non-advisor” profile. Apparently, it seems to be very common for most Masters and Doctoral students in Brazil.
III) Financial instability and professional non recognition
Masters and doctoral students are often restricted to deal exclusively with their dissertations and theses, keeping out from formal job market as required by the research funding agencies that fund scholarships. So, every time a graduate cycle ends, that fear of “and now, what will I do?” appears. Besides, we are not reconized as professionals but as students and questions such as “ when will you stop studying and get a real job?” are often in our everyday life. Unfortunatelly we live in a country that intelectual work is poorly understood. Hammer a nail is a job but study a certain subject isn’t. Indeed, many people are pressured by their families to get a “real job” and have to face their graduate course without family support.
When the debates on Pension Reform began, I decided to simulate the age at which I would retire. I realized I’d better give up thinking about retiring and start thinking about working till death, after all, I would only retire at age 75!
IV) Life-work relationship
In one of the articles cited above, 56% of students with severe or moderate anxiety disagreed with the phrase “I have a good balance between my personal and professional life.” The truth is that self-management of time is a “double-edged sword” for post-graduates. On the one hand, we have the freedom to choose when and where we will work on a certain thing, but, on the other, small slips in time management can disturb the execution of the planned tasks. Not necessarily, not performing the daily activities is due to student procrastination or sloppiness. No matter how we plan the day, there can always be an unforeseen event – such as a laboratory colleague asking for help in a particular activity -, so that at the end of the day our to-do list is not completed. So we go home feeling like we did not do everything we should, and then we start using “alternative” schedules like weekends to do them. The point is, if you work at times when you would be available to be with your family or having fun with friends, you simply do not have those leisure times anymore. We all know the damages that lack of social interaction and fun can bring to our mental health, but the fact is that those who work in the academic field can hardly reach the end of the day, turn off their computer and completely disconnect from their work until the next day.
And now?
I beleive that we, members of the academic community, should take the first steps. As we all know, the policies of public universities are implemented in slow and bureaucratic steps. To avoid making these statistics even more “depressing” in a few years, we need to re-signify human relationships in the Graduate Programs and in our labs. We must think about the reception and integration of new students and I believe that the co-ordinations of the Programs should somehow be available to listen to the students’ opinions about their advisors and consider them. Regardless of the possible solutions that we can discuss, an important advance is being made at this time, in which we are discussing a subject that for a long time has been silenced in the academic world.
Only by recognizing problems we can think of solutions.
And you, which possible solutions would you suggest to change the mental health scenery of graduate students? We look forward to hearing from you!
Oi Juliana, há tempos estava para ler seu texto, demorei, mas finalmente consegui. Espero que você esteja bem e conseguindo administrar seu cotidiano aí, para que seus dias sejam de fato uma experiência completa e não apenas mais uma tarefa do seu doutoramento.
Acho o tema relevante e confesso que para mim não é exatamente uma novidade. Talvez a novidade esteja sendo o crescimento do número de eventos (mas também não poderia ser porque falamos mais?). Percebi neste ano, nas atividades de estágio em docência, de fato uma recorrência do tema. Até postei um material na página da atividade para ampliar a discussão. Há tempos conversamos sobre isso naquele espaço. Esta foi uma discussão que já esteve em seminários do laboratório, enfim dizer que silenciamos sobre o fato, me parece ser um pouco forte. Digo isto pois parece indicar que sabemos de tudo e fugimos do enfrentamento. Na qualidade de um membro do laboratório e também orientador, estou seguro que nunca rejeitei a temática. Em determinadas situações me senti incapaz de seguir administrando-as, por achar que seria mais adequado um tratamento profissional. Isso porque possivelmente me falte uma formação mais adequada para a função que exerço. Mas o que fazer? Posso ir buscar esses conhecimentos, posso me preparar melhor, sim posso, mas talvez isto ainda demore um pouco. Porque há também, você há de reconhecer, uma situação estrutural que não facilita a rotina dos orientadores por sua vez. Novamente acho que as suas tintas foram carregadas com a parte de cá da relação. que também passa por seus transtornos. Talvez o mundo todo esteja transtornado e para esta situação, respondendo ao seu pedido de soluções, eu apontaria para o diálogo entre nós que estamos envolvidos. Lembrando por fim que a motivação para o diálogo pode vir que qualquer parte. Obrigado pela oportunidade de me posicionar. Abraço,