English version at the end
Inspirado pelo Pint of Science, evento de divulgação científica regado a uma cervejinha que ocorre ao redor do mundo na próxima semana, resolvi fazer um caminho inverso e falar sobre algumas outras interações entre ciência e cerveja, em especial ecologia e afins. Além de mais detalhes do evento, é claro, neste post vocês verão como foi solucionada uma das maiores gafes biogeográficas de uma popular cervejaria brasileira e como a indústria cervejeira influenciou nas suas aulas de bioestatística.
O Evento:
O evento consiste em pequenas palestras que cientistas – professores e pesquisadores – apresentam em bares, naquele antigo objetivo de unir o útil ao agradável. A ideia surgiu de dois pesquisadores Michael Motskin e Praveen Paul, ambos atualmente neurocientistas renomados. Michael e Praveen promoveram eventos de divulgação de seus trabalhos para a sociedade trazendo-a para dentro da Universidade (no caso Imperial College London). Eles gostaram tanto da experiência que decidiram ultrapassar os muros da instituição e encontrar as pessoas nos lugares onde elas normalmente frequentam, no caso, em Londres, pubs. Assim, em maio de 2013 nasceu o Pint of Science.
Sobre Pubs e Pints
Pub é uma corruptela da palavra inglesa Public House. É um estabelecimento conhecido por vender bebidas alcoólicas em países com influência britânica, mas muito comum em todo o velho continente. Na cultura europeia em geral e britânica em particular, o Pub é um local de encontro das pessoas, principalmente em vilarejos e cidades pequenas.
Pint é um tipo de copo para comportar o precioso líquido. Sua capacidade varia de acordo com o país. No Brasil é de 500ml, na Inglaterra por exemplo é de 568ml.
Porque Pint of Science e não Science in Pub?
A ideia de apresentar ciência para o público geral não é nova, nem de apresentá-la em locais como Pubs. Apesar da fama, a aparente originalidade do Pint of Science é falseada em uma breve pesquisa na internet. Este tipo de evento provavelmente surgiu independentemente em distintos locais por iniciativa de diferentes pesquisadores, inclusive encontrei um evento chamado Science in Pub que ocorreu pelo menos 13 anos antes do Pint of Science. Porém, como a intenção é mesmo divulgar, não tenho conhecimento de nenhuma acusação de plágio, patente ou direito autoral pelo evento. Já na ciência…
Pint of Science 2018
Neste ano serão 21 países participantes e o Brasil também estará presente com 56 cidades participantes. Não será o primeiro ano que participamos. Nossa estreia foi na edição de 2015. Entre no site oficial do evento e confira a programação completa: https://pintofscience.com.br/. Há também uma página do evento no facebook: https://www.facebook.com/pintofscience/ e o site internacional do evento https://pintofscience.com/
Ursos polares na Antártica
Se você achou estranho o subtítulo acima parabéns. Poucos percebem o sutil erro biogeográfico. Você já viu Ursos Polares como garotos propagandas de bebidas como a Coca-Cola principalmente por eles trazerem uma ideia de frio e refrescância. Brasileiros, de forma geral, apreciam que suas cervejas estejam (beeem) geladas, mesmo não sendo sua temperatura ideal de consumo. Desta forma, referências a animais polares é uma boa forma de fazer a associação com o frio. Nomes como Glacial®, Polar®, Antárctica® também parecem apropriados para batizar uma cerveja que espera-se consumir bem gelada.
A cervejaria Antárctica®, por exemplo, se apropriou deste conceito e utiliza pinguins como logotipo em seu rótulo desde 1935. Conveniente, mas nem sempre foi assim. Nos anos iniciais de sua produção, o “garoto propaganda” da cervejaria Antárctica® era um Urso Polar. Acontece que Ursos Polares não tem distribuição na Antártica, apenas no Ártico. Antártica inclusive é uma palavra da fusão de “Anti” e “Ártico” justamente por estarem em extremos opostos. Uma baita gafe biogeográfica que foi corrigida em tempo e apagada da história desta marca. Recordo aqui a identidade visual da cervejaria utilizada na época (com urso polar) e outra da atualidade (com pinguim).
Gostando mais de estatística:
Na Irlanda, mais especificamente em Dublin, reside uma das cervejarias mais famosas do mundo: a Guinness®. Mesmo que você não seja um apreciador de cerveja, certamente já ouviu este nome associado a um tal livro que registra recordes muitas vezes sem sentido. Pois bem, o livro é uma das várias estratégias de marketing desta cervejaria dentre outros que influenciem sua vida e talvez você nem saiba.
A Guinness foi uma cervejaria inovadora contratando cientistas para otimizar seu processo de produção. Um destes cientista foi William Sealy Gosset (1876-1937), formado em algo intermediário no que hoje seria química-matemática. Mas de que forma um químico-matemático pôde influenciar tanto na ecologia? Na verdade sua influência foi significativa em toda a ciência, revolucionando a estatística como conhecida em sua época. Por não ser um acadêmico, sua contribuição para a ciência (total de 21 publicações) se torna ainda mais significativa.
Gosset entrou para o hall-da-fama da ciência com o pseudômino “Student”. Sim, esse mesmo do teste T de Student, apresentado para a ciência em seu segundo e mais importante artigo. A empresa Guinness, devido a problemas que teve no passado por vazamento de receitas, tinha como política que seus funcionários não poderiam publicar trabalhos. Gosset não tinha interesse em perder seu emprego, que o remunerava satisfatoriamente para a época. Por influência de proeminentes estatísticos como Ronald Fisher e Karl Pearson, Gosset decidiu publicar seus trabalhos e escolheu o sugestivo nome de Student para assinar seus trabalhos. Parênteses de fofoca científica: Pearson e Fisher se odiavam e Gosset, aparentemente, foi um importante mediador entre estes dois grandes gênios e revolucionários da ciência moderna. Mais um ponto para Gosset e para sua cerveja que, pelo menos, amenizam guerras. Ou alguém aqui fez amigos bebendo leite?
Se você é uma daquelas pessoas que não suporta estatística, pense pelo lado que ela colaborou bastante para aumentar a qualidade de sua cerveja. Quem sabe agora você não as vejam (cerveja e estatística) com outros olhos (e paladar).
O Ministério da Ciência e Tecnologia Adverte:
Está tudo muito bem, divertido e engraçado, mas estudos comprovam que o abuso de álcool diminui a produtividade científica de pesquisadores. Isso fica claro se você for um ecólogo que trabalha com aves na República Tcheca! Em 2008 Thomas Grim publicou um polêmico trabalho no periódico Oikos sobre o consumo de cerveja e a produtividade destes eco-ornitólogos.
O autor chegou à conclusão que quanto maior o consumo de cerveja, menor a produtividade do cientista. Não quero entrar muito nesta seara, mas me parece claro que o uso excessivo de álcool atrapalha a produtividade científica, assim como interferirá negativamente em qualquer outro aspecto da vida. Por outro lado, há estudos que comprovam benefícios para a saúde, sociabilidade e a criatividade pelo consumo moderado do álcool.
Um parênteses interessante sobre a República Tcheca é que o país representa uma importante escola cervejeira, não só por ser o de maior consumo per capita, mas também por ter inventado o estilo mais consumido ao redor do mundo, o Pilsner.
Agora sim o Ministério da Saúde:
Para muitos de nós a cerveja é um atrativo. Mas você sabia que para mosquitos também? Um trabalho de Lefèvre e colaboradores (2010) descobriu que o consumo de cerveja por seres humanos é capaz de aumentar a atratividade de mosquitos vetores da Malária (Anopheles gambiae). Apesar das evidências experimentais, o mecanismo que ativa esta preferência ainda não está claro.
Esse dado gerado na África, mesmo que empírico, é assustador pois nos faz imaginar o risco que podemos estar expostos, especialmente em países tropicais como o Brasil com muitos mosquitos vetores de inúmeras doenças. O verão, época mais propícia para tomar aquela gelada, acaba sendo também o período de maior reprodução dos mosquitos e elevadas taxas de doenças como dengue, zika e chikungunya. Tomem cerveja, mas tomem cuidado também.
Então, não se esqueçam: Pint of Science 2018, de 14 a 16 de maio em um bar próximo de você.
Se for dirigir não beba e se beber, passe repelente!
Saúde!
Referências:
Grim, T. (2008). A possible role of social activity to explain differences in publication output among ecologists. Oikos, 117(4), 484-487.
Lefèvre, T., Gouagna, L. C., Dabiré, K. R., Elguero, E., Fontenille, D., Renaud, F., … & Thomas, F. (2010). Beer consumption increases human attractiveness to malaria mosquitoes. PloS one, 5(3), e9546.
Paul, P., & Motskin, M. (2016). Engaging the public with your research. Trends in immunology, 37(4), 268-271.
Salsburg, D. (2009). Uma Senhora Toma Chá… como a estatística revolucionou a ciência no século XX. Zahar Editora.
Santos, S.P. (2004). Os Primórdios da Cerveja no Brasil. 2a Ed. Ateliê Editorial.
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SCIENCE & BEER: JOINING THE USEFUL TO THE PLEASANT.
Inspired by the “Pint of Science”, a scientific event with some beer to drink that takes place around the world next week, I decided to go the other way and talk about some other interactions between science and beer, especially ecology and the like. In addition, in this post, you will see how it was solved one of the biggest biogeographic faux pas of a popular Brazilian brewery and how the brewing industry influenced its biostatistics classes as example.
The Event:
The event consists of small lectures that scientists – professors and researchers – present in bars in that old goal of joining the useful to pleasant. The idea came from two researchers Michael Motskin and Paul Praveen, both currently renowned neuroscientists. Michael and Praveen promoted events to publicize their work to society by bringing it into the University (Imperial College London). They enjoyed the experience so much that they decided to go beyond the walls of the institution and meet the people in the places where they normally attend, in this case of London, in pubs. Thus, in May of 2013 was born the Pint of Science.
About Pubs and Pints
Pub is derived from the English word Public House. It is an establishment known to sell alcoholic beverages in countries with British influence, but very common throughout Europe. In British culture, the Pub is a meeting place for people, mainly in villages and small towns.
Pint is a type of glass to put the precious liquid. Their capacity varies by country. In Brazil it is 500ml, in England for example it is 568ml.
Why Pint of Science and not Science in Pub?
The idea of presenting the science for the general public is not new, neither the idea of present it in places like Pubs. Despite the fame, the apparent originality of the Pint of Science is misrepresented in a brief internet search. This type of event probably arose independently in distinct locations on the initiative of different researchers. I even found an event called Science in Pub that took place at least 13 years before the Pint of Science. However, as the intent is even to divulge, I am not aware of any charges of plagiarism, patent or copyright by the event.
Pint of Science 2018
This year there will be 21 participating countries and Brazil will also be present with 56 participating cities. It will not be the first year in Brazil. The debut was in the 2015 edition. Enter the official website of the event and check out the complete schedule: https://pintofscience.com/. There is also a page of the event on facebook: https://www.facebook.com/pintofscience/ and the international event website
Polar bears in Antarctica
If you think the subtitle strange, congratulations. Few people realize the subtle biogeographical mistake. You probably seen Polar Bears drink Coca-Cola mainly because they bring an idea of coolness and refreshment. Brazilians, in general, appreciate that their beers very chilled, even though it is not the ideal temperature of consumption. So, to associate polar animals is a way of marketing for many beverages. Names such as Glacial, Polar, Antarctica also seem appropriate for baptizing a beer that is expected to consume very chilled.
The Antarctic brewery, for example, has appropriated these concepts and uses penguins on its label since 1935. Suitable, but not always so. In the early years of its production, the icy-animal of a beer called Antarctica was a Polar Bear. It turns out that Polar Bears has no distribution in Antarctica, only in the Arctic. Antarctica is a word of the fusion of “Anti” and “Arctic” precisely because they are at opposite ends. A little biogeographic gaffe that was corrected in time and erased from the history of the brand, but that I remember for you here, including with a visual identity of the brewery used of the time (with polar bear) and another one of the actuality (with penguin).
How to like more the statistics:
In Ireland, more specifically in Dublin, lies one of the most famous breweries in the world: Guinness. Even if you are not a beer connoisseur you have probably heard this name associated with such a book about stranges accomplishments often meaningless. Well, the book is one of several marketing strategies of this brewery among other things that influence your life and you may not even know it.
Guinness was an innovative brewery hiring scientists to streamline its production process. One of these scientist was William Sealy Gosset (1876-1937), formed in something intermediate in what today would be chemical-mathematical. But how could a chemist-mathematician influence so much in ecology? In fact his influence was significant throughout science revolutionizing statistics as it was known in his day. Because he is not an academic, his contribution to science (total of 21 publications) becomes even more significant.
Gosset entered on hall of fame of science with the pseudonym “Student”. Yes, that same Student’s T test, presented for science in his second and most important paper. The Guinness Company, due to problems it had in the past by revenue leakage, had as policy that its employees could not publish jobs. Gosset had no interest in losing his job. Influenced by prominent statisticians like Ronald Fisher and Karl Pearson, Gosset decided to publish his works and chose the suggestive name of Student to sign his works. Parentheses of scientific gossip: Pearson and Fisher hated each other, and Gosset was apparently an important mediator between these two great geniuses and revolutionaries of modern science. One more award for Gosset and his beer that at least ameliorate wars. Or did anyone here make friends drinking milk?
If you are one of those people who does not like statistics, think for the perspective that she has done a lot to increase the quality of your beer. Who knows now you do not will see them (beer and statistics) with other eyes (and taste).
The Ministry of Science and Technology warns:
This is all very well and funny, but studies prove that alcohol abuse lowers the scientific productivity of researchers. This is clear if you are an ecologist who works with birds in the Czech Republic! In 2008 Thomas Grim published a controversial paper in Oikos journal about the consumption of beer and the productivity of these eco-ornithologists.
The author concluded that the higher beer consumption, lower the productivity of the scientist. I don’t known, but it seems clear to me that overuse of alcohol disrupts scientific productivity as well as negatively interfere with any other aspect of life. On the other hand, there are many studies that prove the benefits to health, sociability and creativity by moderate alcohol consumption.
Another interesting parenthesis: Czech Republic is a country represents an important brewing school, not only because it is the largest per capita consumption, but also because it invented the most consumed style around the world, the Pilsner.
Now the Ministry of Health
For many of us the beer is attractive. But did you know that for mosquitoes the beer is attractive too? A study by Lefèvre et al. (2010) found that the consumption of beer by humans is capable of increasing the attractiveness of these to Malaria vector mosquitoes (Anopheles gambiae). Despite the experimental evidence, the mechanism that triggers this preference is unclear.
This data from Africa, even if empirical, is frightening because it makes us imagine the risk that we may be exposed, especially in tropical countries like Brazil with many mosquito vectors of numerous diseases. It should be noted that during the summer, the best time to take the cold beer, coincides with the breeding season of mosquitoes and high rates of diseases such as dengue, zika and chikungunya.
So, do not forget: Pint of Science 2018, from May 14 to 16 in a pub near you.
If driving do not drink and drink, pass repellent!
Cheers!
Genial Leandro, muito legal. Curiosidades, informações, ciência, diversão e sérias recomendações. De agora em diante, especialmente em trabalhos de campo na Amazônia, nada de cerveja. Mas… e os tucanos na Guinness?