Durante a última semana do mês de maio ocorreu, na cidade de São Paulo, o 23º Congresso Brasileiro de Direito Ambiental (13º Congresso de Direito Ambiental dos Países de Língua Portuguesa e Espanhola; 13º Congresso de Estudantes de Graduação e Pós-Graduação de Direito Ambiental). Nesta edição, a temática central foi “30 anos da Constituição Ecológica: desafios para a Governança Ambiental”. O evento contou com participação de pesquisadores e juristas nacionais e internacionais, que expuseram suas linhas de pesquisa e de trabalho. Durante o Congresso, foi discutido o histórico e a evolução da governança brasileira nos últimos 30 anos, levando em consideração o cenário internacional, sobretudo em um recorte da América Latina.
Apesar de o Congresso estar, de modo geral, voltado para juristas que se especializaram no âmbito de política e legislação ambiental, é muito interessante entender onde e como as ciências naturais e biológicas encaixam-se neste contexto, que é, por vezes, intrincado e complexo. O papel da academia e dos pesquisadores também foi reafirmado em diversas exposições ao longo do evento. A interação entre o planejamento e a implementação de normativas/políticas ambientais e as pesquisas precisa ser fortalecida. O arcabouço teórico e técnico proveniente de estudos ecológicos e de ciências ambientais tem grande potencial de aplicação no âmbito jurídico, inclusive colaborando para o delineamento de modelos e perspectivas futuras. Entender como e de que forma pesquisas de cunho socioecológico podem fomentar a construção de políticas foi uma das grandes discussões do evento. Os parágrafos que se seguem contam com breves comentários das discussões e propostas apresentadas, e nos convidam para algumas reflexões pertinentes, inclusive acerca no nosso papel enquanto biólogos/ecológos/pesquisadores neste cenário.
Um ponto interessante apresentado durante as palestras foi o reconhecimento que mesmo depois de mais de 30 anos discutindo acerca da questão ambiental e sua legitimação judiciária, ainda existem muitos passos a serem dados. A inexistência ou imprecisão na definição de termos ou processos ecológicos inviabiliza a construção de uma legislação robusta. Como defender ou proteger algo que não se pode definir ou descrever? Ou como proceder quando existe multiplicidade de definições? O meio ambiente pode ser considerado sinônimo de natureza? A natureza pode ter seus próprios direitos? Juridicamente, ela é considerada sujeito ou objeto? Estes são alguns dos questionamentos propostos para reflexão. É preciso encarar a natureza como um ente que é além de bem jurídico ou propriedade relacionada à área, é também propriedade intelectual e bem coletivo.
O questionamento atual de até que ponto a legislação ambiental realmente tem sido capaz de proteger o meio ambiente nos faz pensar sobre a legitimidade funcional dos instrumentos de comando e controle. A política ambiental brasileira é fortemente caracterizada pela reatividade aos problemas. Romper com esta cultura implica em repensar os dispositivos constitucionais, de forma mais integrada, sobretudo buscando alinhavar os conceitos científicos e técnicos aos jurídicos. A reformulação dos mecanismos regulatórios, através da incorporação de uma miríade de atores envolvidos e stakeholders contribuiu para que haja um planejamento estratégico e integrador, com vistas também ao âmbito social e à sociobiodiversidade cultural. Sob esta ótica, cabe ressaltar a importância da incorporação e da participação de povos indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais nos processos políticos e tomadas de decisão.
Aspectos ambientais como gestão da água, agricultura, exploração de minérios e petróleo, além de mudanças climáticas foram outras temáticas discutidas durante o evento. No que se refere à questão hídrica, a grande discussão ficou em torno da crise crônica da água, em função de manejo e usos insustentáveis da mesma. Projetos de recuperação de corpos d’água e planos de segurança hídrica ganharam espaço como promotores de informação e de fortalecimento da participação social. A adoção de uma governança adaptativa na gestão hídrica, focada na identificação de riscos e oportunidades parece ser o caminho mais promissor. Articulações com outras instituições e entidades, e mesmo entre as hierarquias governamentais podem ser o gatilho para que as políticas setorias sejam mais eficientes. Já os impactos das mudanças climáticas foram discutidos de maneira ampla, pois se entende que estas consequências vão muito além do âmbito ambiental, estendendo-se aos quesitos social, econômico e jurídico. Uma análise minuciosa permite perceber que é preciso pensar além de medidas mitigatórias e adaptativas. Extrapolar a cultura de políticas reativas é um desafio, e para isso, considerar a adoção de fundos e de compensação para afetados é uma boa alternativa. Neste sentido, as discussões sobre justiça ambiental e deslocados ambientais foi presente durante todo o congresso. A necessidade de entender a dinâmica daqueles que abandonam um local em função de problemas ambientais, bem como de implementar uma jurisprudência específica para esta parcela da população, faz-se mais que urgente.
Atualmente, embora exista uma interdependência nas relações entre países, como um reflexo de um planeta cada vez mais globalizado e interligado, houve um déficit na governança global, sobretudo no que se refere ao meio ambiente. Quatro pontos principais são responsáveis por afetar os processos de governança, e merecem ser analisados. São eles: a disjunção tecnológica, a crescente competição econômica, a crise da democracia junto ao seu retrocesso e o aumento de rivalidades geopolíticas. O despreparo das entidades políticas na tomada de decisões contribui ainda mais para esta crise. No atual cenário político brasileiro, que por vezes pode colocar em dúvida medidas e jurisprudências adotadas, o histórico de 30 anos mostra algumas evoluções, mas deixa claro que ainda faltam muitas peças neste quebra-cabeça. O cumprimento de acordos e compromissos ambientais no Brasil é dependente da operacionalização desta governança, bem como da instituição de instrumentos jurídicos eficientes e sociodiversos. Fortalecer a jurisprudência, a participação social e a gestão de estratégias parece ser o caminho mais sensato a se seguir rumo à uma governança mais justa e eficiente.
Experiences and Learnings of Brazilian Congress of Environmental Law – What the 30 years of Ecological Constitution tell us
During the last week of May, in São Paulo city, the 23rd Brazilian Congress of Environmental Law (13th Congress of Environmental Law of the Portuguese and Spanish Countries; 13th Congress of Undergraduate Students and Postgraduate of Environmental Law). In this edition, the central theme was “30 years of the Ecological Constitution: challenges for Environmental Governance”. The event was attended by national and international researchers and jurists, who presented their lines of research and work. During the Congress, the history and evolution of Brazilian governance in the last 30 years was discussed, taking into account the international scenario, especially in Latin America.
Although the Congress is generally directed towards lawyers specializing in environmental policy and legislation, it is very interesting to understand where and how the natural and biological sciences fit into this context, which is sometimes intricate and complex. The role of academia and researchers was also reaffirmed in several exhibitions throughout the event. The interaction between planning and implementation of environmental policies and research needs to be strengthened. The theoretical and technical framework from ecological studies and environmental sciences has great potential for application in the legal scope, including collaboration for the design of future models and perspectives. Understanding how socio-ecological research can promote the construction of policies was one of the great discussions of the event. The following paragraphs have brief comments on the discussions and proposals presented and invite us to some pertinent reflections, including about our role as biologists/ecologists/researchers in this scenario.
An interesting point presented during the lectures was the recognition that even after more than 30 years of discussion about the environmental issue and its judicial legitimation, there are still many steps to be taken. The lack or imprecision in the definition of ecological terms or processes makes difficult the construction of robust legislation. How to defend or protect something that cannot be defined or described? Or how to proceed when there are multiplicity of definitions? Can the environment be considered synonymous with nature? Can nature have its own rights? Legally, is it considered a subject or an object? These are some of the questions proposed for reflection. Nature must be regarded as an entity that is beyond legal ownership or property related to the area, is also intellectual and collective property.
The current questioning of whither environmental legislation has actually been able to protect the environment, makes us think about the functional legitimacy of command and control instruments. Brazilian environmental policy is strongly characterized by reactivity to problems. To break with this culture implies rethinking of the constitutional devices, in a more integrated way, mainly seeking to unite the scientific and technical concepts to the legal ones. The reformulation of regulatory mechanisms, through the incorporation of a myriad of key actors and stakeholders, has contributed to strategic and integrative planning, with a view also to the social scope and cultural socio-biodiversity. From this point of view, it is important to emphasize the importance of the incorporation and participation of indigenous peoples, “quilombolas” and traditional communities in the political processes and decision making.
Environmental issues such as water management, agriculture, mineral and oil exploration, and climate change were other topics discussed during the event. With regard to the water issue, the main discussion was about the chronic water crisis, due to the management and unsustainable uses of water. Projects to recover hydrous bodies and water security plans have gained space as promoters of information and strengthening of social participation. The adoption of adaptive governance in water management, focused on identifying risks and opportunities, seems to be the most promising path. Joints with other institutions and entities and even among government hierarchies can be the trigger for sectoral policies to be more efficient. The impacts of climate change have been widely discussed, since it is understood that these consequences go far beyond the environmental scope, extending to social, economic and legal issues. A thorough analysis allows us to realize that we need to think beyond adaptive and mitigating measures. Extrapolating the culture of reactive policies is a challenge, and for this, considering the adoption of funds and compensation for the affected is a good alternative. In this sense, discussions on environmental justice and environmental displaced were present throughout the congress. The need to understand the dynamics of those who leave a place due to environmental problems, as well as to implement a specific law for this part of the population becomes more urgent.
Currently, although there is interdependence in relations between countries, as a reflection of an increasingly globalized and interconnected planet, there was a deficit in global governance, especially in the environment. Four main points are responsible for affecting governance processes and deserve to be analyzed. These are: technological disjunction, increasing economic competition, the crisis of democracy along with its retrocession and the increase of geopolitical rivalries. The lack of preparation of political entities in decision-making contributes even more to this crisis. In the current Brazilian political scenario, which can sometimes generate doubt on the measures and jurisprudence adopted, the 30-year history shows some evolutions but makes clear that many pieces are still missing in this puzzle. Compliance with environmental agreements and commitments in Brazil is dependent on the operationalization of this governance, as well as the establishment of efficient and socio-diversity legal instruments. Strengthening jurisprudence, social participation and strategy management seems to be the wiser way to move towards fairer and more efficient governance.
Que bacana TAis adorei o post! Acho que precisamos muito debater formas mais participativas para a gestão ambiental!
Que bom que gostou Laísa! Participar do Congresso foi uma ótima experiência, mesmo que tenha tido uma ênfase mais jurídica. Foi muito interessante entender como as questões ambientais e de governança são entendidas e interpretadas pelos juristas, e a partir de então refletir sobre como podemos alinhar os saberes da academia com o desenvolvimento de políticas. E neste quesito, de fato, os modelos de gestão participativos e adaptativos foram bastante comentados e fortalecidos.
Ei Thaís, que belo texto. Concordo com a Laísa. Apesar da ênfase mais jurídica do congresso, seu texto soube tirar reflexões que vão muito além da “Dura lex, sed lex”. Você mostrou de forma muito clara e convincente a importância de termos, como ecólogo/biólogos, maior convivência com o meio jurídico. Seu texto ajudará àqueles e àquelas que tenham algum preconceito com esta área e trará coragem para que se interessem mais pelo tema. Parabéns!
Obrigada Bozelli!! Fico feliz que tenha conseguido passar esta mensagem e que este texto possa ser um incentivo para o maior engajamento na governança e na política, sobretudo ambiental.