Em um post deste blog, a Profa. Aliny Pires usou parte deste título para escrever sobre as mudanças climáticas e seus principais efeitos para as teias tróficas aquáticas. Faço uso de seu título para dar outro enfoque aos efeitos das chuvas: o social, político, de planejamento público e financeiro. Como o Msc. Ricardo Catarina em seu post chamado “Águas de Março: estamos prontos?” enfatizo aqui um aspecto prático das chuvas nas grandes metrópoles, relembrando alguns aspectos históricos. As chamadas “chuvas de verão” que aconteceram no Rio de Janeiro nas últimas semanas – deixando um saldo considerável de mortos, feridos e um enorme prejuízo financeiro para o poder público – de longe trouxeram “promessa de vida pro meu coração”(1), como dizia o poeta.
A última chuva ‘terrível’ que acometeu a cidade do Rio de Janeiro ocorreu na segunda -feira, entre os dias 08 e 09 de abril de 2019, levando a cidade a um nível de alerta máximo durante alguns dias, de acordo com a Defesa Civil. As enxurradas foram tão fortes que atingiram em cheio desde o coração da elite abastada carioca (a zona sul) e o coração dos trabalhadores e pobres de regiões por hora menos protagonistas das novelas da Globo. A chuva caiu e caiu muito e já haviam previsões de caos… chuvas anteriores na cidade do Rio já haviam deixado um ônibus soterrado e destruição pela cidade. O sistema de alerta da prefeitura do Rio de Janeiro esperava chuva, mas não tanta, e nem em tão pouco tempo.
De acordo com o prefeito Marcelo Crivella a “Essa é uma chuva completamente atípica” , porém como os cariocas já estão mais que acostumados suas consequências não foram tão atípicas assim. Como comenta a historiadora e professora da UFRJ, Andrea Casa Nova Maia:
“A história do Rio de Janeiro se confunde com a história das suas enchentes. As inundações ocorridas devido aos fortes temporais de verão, desde muito provocam tragédias na urbe, com desabamento de casas, alagamento de ruas, destruição do comércio, problemas de transporte, doenças, falta de comida e outras mazelas que, muitas vezes, incluíam a morte de alguns cidadãos”.(2)
As consequências das chuvas fortes para os grandes centros urbanos brasileiros são tão conhecidas que alguns passos são, por vezes, tomados na tentativa de minimizar os estragos, através de obras de planejamento urbano para, por exemplo, o escoamento de águas pluviais e aumento do volume das águas de rios imponentes que atravessam essas cidades. Alguns se lembram que o prefeito Eduardo Paes inaugurou 3 “piscinões” nas zonas central e norte da cidade do Rio de Janeiro (Praça da Bandeira, Praça Niterói e Praça Varnhargen). Esses ‘piscinões’ somam quase 100 milhões de litros de capacidade e você já deve estar se indagando: “Mas é litro demais! Porque não funciona tão bem?”. Ótimas perguntas com inúmeras explicações, porém a mais óbvia é: falta o contínuo planejamento e aplicação de políticas públicas para garantir o bom funcionamento dessas obras iniciais. Os ‘piscinões’ utilizados para minimizar os prejuízos das chuvas ou o enchimento dos rios da capital não recebem a manutenção adequada uma vez que os investimentos não são (i) repassados e/ou (ii) nem sequer realizados. E isso, claro, não acontece apenas com os ‘piscinões’ mas também com políticas de contenção de encostas e outras ações para o controle de enchentes.
Vale ressaltar, ainda, que a própria ocupação territorial da cidade do Rio de Janeiro foi (e continua sendo) extremamente irregular, o que contribui para a ocorrência histórica das enchentes. Em uma viagem por entre mapas hidrográficos antigos (disponíveis aqui) podemos observar que, já no centro da cidade houve a ocupação de uma área predominantemente de manguezal, com a supressão de rios de grande/médio porte, como o rio Maracanã, o rio Joana e o rio Comprido – todos desaguavam na Baía de Guanabara no chamado Saco de São Diogo (nomes datados do fim do século XVIII).
“Coincidentemente”, três séculos depois, foi necessário construir os tais “piscinões” para evitar que algumas áreas adjacentes a esses rios fossem inteiramente lavadas pela força de seus rios encobertos e chuvas exacerbadas por mudanças antropogênicas (climáticas e do uso do solo). Talvez então, um outro poeta estava certo (tentando romantizar essa história toda):
“E quem sabe então o Rio será, alguma cidade submersa, os escafandristas virão explorar sua casam seu quarto, suas coisas, sua alma, desvãos”. (3)
Por fim, fica uma dica para os curiosos da limno-história e hidro-geografia do Rio de Janeiro e outras capitais mundiais:
http://riocidadesubmersa.blogspot.com/
Referências e citações:
(1) Canção de Tom Jobim – ‘Águas de Março’.
(2) Maia, Andrea Casa Nova. Imagens de uma cidade submersa – o Rio de Janeiro e suas enchentes na memória de escritores e fotógrafos. Escritos, v. 11 (6), 247- 274.
(3) Canção de Chico Buarque – ‘Futuros Amantes’.
The rain falls and the city floods… indeed it floods
In a post in this blog, Profa. Aliny Pires used part of this title to write about climate change and its main effects on aquatic food webs. However, I make use of her title to give different emphasis to the effects of rainfall: social, political, public and financial planning focus. Just as Msc. Ricardo Catarina in his post from two years ago I’ll try to emphasize other aspects of rainfall in urban regions, revisiting an historical point of view. The so-called “summer rains” that took place in Rio de Janeiro in recent weeks, leaving a considerable number of dead, wounded and a huge financial loss to the public power, have by far brought “promessa de vida para o meu coração” (1), as the poet once sang.
The last “terrible” rain that the city of Rio de Janeiro experienced occurred on Monday, April 8th 2019 taking the city to a maximum level of alert according to the Civil Defense. The floods were so strong that they hit hard the heart of Rio’s elite (the southern zone) and the heart of the workers and poorest regions and less protagonists areas of Globos’s novels. The rain fell and fell a lot and there were already predictions of chaos … previous rains in the city of Rio had already left a buried bus and destruction throughout the city. Rio de Janeiro’s City Hall warning system was expecting rain, but not so much, and in such a short time.
According to Mayor Marcelo Crivella, “This is a completely atypical rain” but as the Cariocas are already more than accustomed their consequences were not so atypical. As the historian and professor of UFRJ, Andrea Casa Nova Maia comments:
“The history of Rio de Janeiro is confused with the history of its floods. Floods due to strong summer storms have long caused tragedies in the city, with homes collapsing, flooding of streets, destruction of commerce, transportation problems, illnesses, lack of food and other problems that often included death of some citizens “. (2)
The consequences of heavy rains for large Brazilian urban centers are so well known that some steps are sometimes taken in an attempt to minimize the damage, through urban planning constructions, for example, in order to decrease or even control rainwater runoff and volume increase of the waters of major rivers that cross these cities. Some remember that the mayor Eduardo Paes inaugurated 3 “runoff pools” in the central and northern zones of Rio de Janeiro (Praça da Bandeira, Praça Niterói and Praça Varnhargen) – Figures 1 to 3 above. These pools capacity could reach more than 100 million liters of capacity and you should already be asking yourself: “But it’s too many liters! Why diddn’t it work so well? ” Great questions with many explanations, but the most obvious is: the lack of continuous planning and implementation of public policies to ensure the proper functioning of these initial works. Infrastructure used to minimize rainfall losses or stop the flooding of the rivers of the capital do not receive proper maintenance since the investments are (i) not well distributed and / or (ii) not even invested in the first place. And this, of course, does not happen only with the ‘pluvial pools’ but also with slope containment policies and other actions to control floods.
It is also worth mentioning that the territorial occupation of the city of Rio de Janeiro was (and continues to be) extremely irregular, which contributes to the historical occurrence of floods. In a reminicence trip within old hydrographic maps (available at https://www.wdl.org/en/search/?q=rio+de+janeiro#801) we can observe that, already in the center of the city, there was an occupation of a predominantly mangrove area, with the suppression of large / medium-sized rivers, such as the Maracanã River, the Joana River, and the Comprido River, all of which flowed into the Guanabara Bay in the so-called Saco de São Diogo (names dating from the end of the 18th century) (see figure numer 4 above).
Coincidentally, three centuries later, it was necessary to construct such “pools” to avoid that some areas adjacent to these rivers would be entirely washed away by the force of their covert rivers and rains exacerbated by anthropogenic changes (climatic and land use). Maybe then, another poet was right (trying to romanticize this whole story): “E quem sabe então o Rio será, alguma cidade submersa, os escanfandristas virão explorar sua casam seu quarto, suas coisas, sua alma, desvãos”.
Finally, there is a tip for the curious of the limno-history and hydro-geography of Rio de Janeiro and other world capitals:
http://riocidadesubmersa.blogspot.com/
References and citations: