Ilustração de Cristina Daura. Fonte: https://www.nytimes.com/2020/03/27/opinion/sunday/coronavirus-climate-change.html
Querid@s Limnól@s,
Hoje começa o 20° dia de isolamento social no Brasil, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Limnologia da UFRJ. Entre inúmeras mensagens no Whatsapp é difícil manter a calma e a produtividade, diminuir a ansiedade. Alguns exercícios ajudam a fazer o tal falado ‘home office’: sentar na frente do computador com roupa de ir trabalhar (com os sapatos desinfectados, claro), fazer exercícios físicos, meditação e muita leitura. Depois das 19h, banho, notícias e entretenimento: plataformas de streaming, leitura de ficção, jogos online com os amigos, rola até a cervejinha no happy hour (à distância e por vídeo, claro). Depois das 22h costuma bater a ansiedade de novo: “Até quando vai durar essa quarentena? Será que o SUS sustenta o número de casos? Cadê os testes? E o que acontece com quem não pode ficar em casa? Quando sai o alívio econômico para as famílias que precisam? Será que essas famílias vão receber o alívio econômico? Esse presidente só pode estar de brincadeira! Mas só piora esse negócio? Será que eu tô num sonho distópico? E quais são os efeitos indiretos futuros dessa pandemia? E assim vai… noite adentro.. insônia perigando bater à porta do quarto…
Acho que algumas pessoas já se identificaram até aqui, né? Vamos além. Li anteontem um PDF de 93 páginas que circulou pelas mensagens do Whatsapp. Uma apresentação do London Bussiness School sobre a Economia nos tempos de Covid-19. Um resumão do que é a Covid-19, quem está mais em risco e, enfim, o que será da economia depois de passado aquilo que só víamos em filmes como ‘Contágio’ e ‘Epidemia’, aqueles beeem hollywoodianos mesmo. Depois da introdução que muito me agradou, pois era, realmente, visualmente bem feita e uma verdadeira aula de ecologia do parasitismo e infectologia (sim, feita por economistas) veio a parte do economês. Depois de tentar entender tudo, eu me peguei perguntando sobre as mudanças climáticas, o que será que vai acontecer depois que esse tsunami pandêmico passar?
Estranho pensar assim, tão distante, tem tantas outras coisas para nos preocupar agora: que absurdo o corte das bolsas! Vamos bater panela contra isso! Opa, panela não (sinestesia dolorosa) melhor bater balde, pandeiro, palmas! Mas, dizem por aí que projetar para uma reflexão menos imediatista (4 meses, mais ou menos) pode fazer bem/mal para a ansiedade. Muita gente já tem se posicionado e refletido sobre os efeitos indiretos da pandemia sobre as mudanças climáticas, especialmente impulsionada por alterações antropogênicas, como aumento da emissão de gases do efeito estufa, uso do solo, uso das águas, entre outros. É importante prestarmos atenção o quanto antes nisso, uma vez que a Covid-19, no pior dos cenários, será derrotada esse ano, e as consequências contínuas das mudanças climáticas, não.
Comecei meu argumento dizendo que estava lendo um PDF de economia e isso me lembrou as mudanças climáticas. Impossível dissociar os dois, uma vez que é essa macroeconomia, calcada em modelos de consumismo extremo e embasada dos pilares dos combustíveis fósseis, que impulsiona toda e qualquer mudança global, seja ela política e/ou climática. Temos visto que com a presença da Covid-19 em todos os continentes, e com a necessidade do isolamento social (com sua máxima ‘fique em casa’), as emissões de gases estufa tem diminuído, a poluição (antes assustadora na China, por exemplo) também, e teve até mesmo houve uma diminuição da turbidez da água nos canais de Veneza. A Covid-19 tem nos dado um exemplo de como poderíamos ser responsáveis com o clima, mas as chances de que realmente passemos (digo como o conjunto de seres humanos) a nos importar com o meio ambiente a longo prazo são otimistas demais e não realistas.
“Mas você está sendo muito pessimista!”. Será? Sim, pode ser. Digo isso, e não sou a única, não mesmo. Acho que estamos vivendo, em termos de alterações antropogênicas do meio ambiente, o ‘silêncio que antecede o esporro’. Pois passada a pandemia e a crise econômica que ela tem gerado, virá a corrida para retomar o crescimento, a produção. E vai precisar ser rápido. Será necessário injetar dinheiro para lucrar frente aos USD 2 trilhões gastos para conter a crise numa das maiores potências do mundo, ou revalorizar o petróleo ou lidar com a guerra do petróleo nas bolsas de valores. Infelizmente, a corrida será desonesta com aqueles que tem menos condições e com o meio ambiente. Ou você realmente acha que podemos esperar consciência climática frente ao desenvolvimento econômico?
O que pode servir de alento é: como cientistas teremos muitas oportunidades de mostrar, cada vez mais, como a ciência é fantástica e como podemos usá-la para entender padrões, prever fenômenos e conscientizar o público e tomadores de decisão. Algumas iniciativas já até começaram: a Sociedade Internacional de Limnologia chamou seus membros para mostrar o que tem acontecido com os ecossistemas aquáticos nos tempos de Covid-19. Teremos que lutar, como sempre, para sermos ouvidos, propor mudanças e esperar que alguém nos ouça. E talvez, sendo bem esperançosa agora, os seres humanos aprendam a lidar com a crise, caso a crise ambiental seja exacerbada e tenha que ser mais contundentemente enfrentada no futuro.
Enquanto isso, seguimos, isolados, mas não sozinhos. Se puderem, fiquem em casa. Boa noite e boa sorte!