Nas últimas décadas, com o acesso a novas tecnologias, o mundo tornou-se ainda mais conectado. Nesse sentido, as atividades turísticas ganharam ainda mais espaço e vêm apresentando vasto crescimento. O território brasileiro é um exemplo claro de como um determinado ramo do turismo tem ganhado força. Por ser provido de inúmeras riquezas naturais, o Brasil, um país tão heterogêneo em suas paisagens e de dimensões continentais, é um dos destinos mais procurados para a realização do ecoturismo.
O ecoturismo ou turismo ecológico, possui inúmeras definições baseadas nos diferentes setores envolvidos na realização de suas atividades. De modo que conceitos emitidos pelos mais distintos segmentos da sociedade podem possuir intenções subjacentes além do que a mera interpretação textual indicaria (PIRES, 1998). Muitos conceitos têm intenções mercadológicas, o que os tornam maculados. Há também um grande número de definições e interpretações muito distintas. Contudo, existem pontos em comum dentre as várias definições, como o apreço à cultura, a participação da comunidade e a valorização do meio ambiente (KLEIN, 2011). De modo geral, o ecoturismo pode ser descrito como o ramo do turismo que é desenvolvido com base no patrimônio natural e cultural de uma localidade. No qual a exploração turística do meio ambiente é conciliada com a formação de uma consciência ecológica dos visitantes e da comunidade local, além de promover a conservação e o mínimo impacto ao ecossistema.
Entretanto, o íntimo contato com a natureza e o excesso de visitantes trazem também impactos ambientais em alguns locais de visitação turística. Muitos, inclusive, irreversíveis. A extração de estalactites e estalagmites de grutas e cavernas para serem utilizadas como objeto de decoração pessoal; rasuras e desenhos em rochas com o objetivo de marcar a passagem do turista por ali e a contaminação de corpos hídricos pelo uso de protetor solar, sabonetes e repelentes são exemplos dos impactos negativos causados pelo turismo a essas áreas.
Porém, essa não é a realidade de grande parte dos locais que se dedicam a realização do ecoturismo, uma vez que a atividade necessita cumprir um conjunto de normas, além de garantir a difusão de informações e conceitos que irão permitir ao visitante a compreensão da importância dos respectivos ecossistemas, assim como o dano cultural e ambiental que podem causar. Deste modo, o turista não apenas terá uma experiência contemplativa, mas também educativa e com viés conservacionista. Como dito por Salgado (2007, p. 38) “As atividades mais avançadas de ecoturismo incluem um trabalho de educação ambiental, com ajuda de guias especializados. O desenvolvimento de roteiros e programas diferenciados a vários tipos de ambientes, quando associado à transmissão de um conjunto organizado de informações e conceitos, leva com relativa facilidade ao aprendizado. Nesse caso, o grande legado deixado ao turista consiste na compreensão da ecologia local e consciência da importância de se preservar o ambiente natural, assim como a história e a cultura dos lugares de visitação.” Sendo assim, o ecoturismo quando associado à educação ambiental pode ser uma importante ferramenta de conservação, assim como, em conjunto à comunidade é capaz de impulsionar a economia e o desenvolvimento da região de forma sustentável.
Bons exemplos
RPPN Buraco das Araras
A Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Buraco das Araras é um exemplo importante de como o ecoturismo pode ser transformador. Localizada no município de Jardim em Mato Grosso do Sul, a dolina é um local de sociabilização de araras vermelhas residentes do local e de outros fragmentos florestais. Por serem aves sociais, as araras passam as primeiras horas do dia e o fim da tarde nas encostas da dolina, enquanto a temperatura não atinge alta elevação. Além disso, o buraco é de extrema importância, pois no período reprodutivo é o local onde ocorre o acasalamento e a nidificação de algumas delas. No passado, o lugar era considerado um “lixão”, isto é, a população despejava todos os tipos de objetos indesejáveis na cratera, como por exemplo pneus. Ademais, carros roubados e “depenados” eram descartados ali, assim como corpos humanos devido a disputas de terra. A população da região também era pouco conscientizada e com frequência realizavam a caça de araras por diversão ou com objetivo de aprimorar a pontaria de seus tiros. Algo que também prejudicou e alavancou a deterioração do ecossistema foi a disseminação de um mito que dizia ser impossível acertar com um disparo de arma de fogo a parede do buraco. Em 1986, a propriedade que abrigava a cratera foi comprada por Modesto Sampaio com o objetivo de realizar atividades pecuárias. No entanto, em 1996 o proprietário trocou a pecuária pelo ecoturismo. Durante esse período, ele realizou toda a recuperação da área, inclusive com ajuda do Exército Brasileiro, que auxiliou na retirada do lixo. O curioso é que grande parte do lixo pôde ser retirada, exceto uma Brasília (não, não era amarela) branca. E que em épocas de seca, a água do lago recua e expõe o carro.
As araras apesar de nomearem o buraco não são os únicos animais do rico ecossistema, nele há tucanos, gaviões, curicacas, jacarés, rãs, pequenos mamíferos e insetos, entre muitos outros. A flora também sofreu processo de recuperação, as árvores típicas do cerrado foram disseminadas, pois seus frutos são um importante recurso para as araras e consequentemente para outros seres vivos. Com o fim da pecuária, a reserva passou a servir de abrigo a muitos outros seres vivos. Pois a região no entorno do fragmento florestal foi extremamente degradada pela agropecuária. O que pode ser visto por imagens de satélite obtidas pelo Google Earth.
Além, de toda a importância desse fragmento à flora e fauna, o ecoturismo da reserva é responsável pela geração de renda a muitas famílias, há também a exposição e venda de obras dos artesãos locais que mantém uma face da cultura local viva. Como diz o proprietário Modesto Sampaio:
“Tiro o sustento da família sem destruir. Gero empregos e conheço gente do mundo todo.” (retirado do portal G1, 2013)
Gruta do Lago Azul
A Gruta do Lago Azul é outro bom exemplo de como o ecoturismo pode ser um instrumento de preservação. A gruta localizada no município de Bonito, Mato Grosso do Sul, recebe este nome porque abriga em seu interior um lago de águas cristalinas e que assume uma coloração azulada. Acredita-se que a cor se deva ao processo de reflexão da luz solar, além de outros fatores como os minerais presentes na água e a localização da gruta. Os guias informam que ela teria sido descoberta em 1924 por um indígena Terena. No entanto, a área onde a gruta se encontra foi propriedade privada até ser tombada pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em 1978 como Monumento Natural, passando então a pertencer integralmente ao instituto. Anteriormente a isso, a gruta era frequentada por invasores da propriedade que tinham o objetivo de mergulhar em suas águas, mas também vandalizavam a gruta retirando estalactites e estalagmites para uso pessoal, como relatado anteriormente sobre os impactos ambientais da visitação. As águas cristalinas de tom azulado da gruta dão a falsa impressão ao visitante de que não há grande profundidade. Entretanto, o máximo de profundidade alcançado foram 87 metros e até o momento não se sabe o quão fundo pode chegar. A descoberta só foi possível por meio de uma expedição franco-brasileira realizada por pesquisadores em 1992. Mas essa não foi a única descoberta, em suas águas foram descobertos fósseis como o de uma preguiça-gigante e de um tigre dentes-de-sabre. Peter Toledo, paleontólogo em entrevista ao programa Fantástico disse: “Existem outras grutas, outras grutas com fósseis. Ali pode ser um ponto importante para gente conhecer melhor um pouco da história da biodiversidade brasileira.” No presente, o local continua sendo um importante ecossistema para muitos seres vivos, incluindo pequenos crustáceos (um camarão albino) que só foram encontrados ali e que fazem parte de uma biodiversidade única e ainda pouco explorada, embora necessite ser rigorosamente preservada. As visitas são controladas e somente pode ocorrer a visitação contemplativa com o limite máximo de 15 pessoas por grupo e um pouco mais de 300 por dia. Todas as pessoas são acompanhadas por guias e limitadas a um local específico que não há contato com a água do lago. Antes da regulamentação, a gruta era vandalizada e esse cenário só pôde mudar com a instituição de normas associadas à educação ambiental.
A população
Como discutido anteriormente, uma face importante do ecoturismo é a valorização da população e o seu desenvolvimento de forma sustentável. O ecoturismo também é responsável por gerar renda em locais onde grande parte do trabalho é voltado à agropecuária e que, por consequência, produz um impacto muito grande ao desmatar para plantar extensas fileiras de soja ou para simplesmente ter capim para o gado. Isso representa uma degradação de numerosos hectares que anteriormente eram ocupados pela vegetação nativa. Desse modo, grande parte da flora típica do cerrado sofreu uma drástica redução em suas populações. No entanto, uma medida que não põe fim ao problema, mas o ameniza foi a criação de pequenos negócios voltados a difusão de frutos oriundos de árvores frutíferas do cerrado. Isto é, existem inúmeras frutas desse bioma desconhecidas de todo o restante do Brasil e do mundo, conhecê-las é um grande negócio para a população. Pois investem na fabricação caseira de sorvetes, doces e sucos dos frutos tão distintos e que passam a ser conhecidos pelos visitantes. Um exemplo de fruto é a guavira, que em Bonito, no Mato Grosso do Sul, possui até festival, época em que as árvores frutificam massivamente. Há também a famosa jaracatiá, uma fruta onde normalmente é feito sorvete e com a polpa mais externa do tronco da árvore é feito um doce com sabor semelhante a coco. Apesar de ser invasiva a retirada da polpa, a árvore não sofre grandes danos, pois a cultura local estabelece que logo após a retirada da casca e feita a extração da polpa, a casca rígida da árvore é novamente inserida no local e vedada com argila, passado certo período, os cidadãos locais afirmam cicatrizar, além de impedir que a árvore seja alvo de insetos e fungos na região fragilizada. Existem inúmeras outras frutas muito diferentes e com sabores únicos e que também servem de alimento a muitos animais. A exploração sustentável dessas árvores garante que a culinária local não seja brutalmente desfalcada de seus frutos típicos, além de gerar renda a muitas famílias e com isso, evitar a sua derrubada e seu futuro desaparecimento.
Os exemplos se concentram nos locais que eu tive a experiência de conhecer e conversar com os moradores e guias. Por isso, agradeço a eles as histórias dos locais de visitação.
Referências
PIRES, Paulo dos Santos. A DIMENSÃO CONCEITUAL DO ECOTURISMO. Turismo – Visão e Ação, [s. l.], v. 1, n. 1, p. 75-91, 1998. Disponível em: http://files.zaqueuhenrique.webnode.com/200000822-201bf20906/A%20DIMENS%C3%83O%20CONCEITUAL%20DO%20turismo.pdf. Acesso em: 22 mar. 2020.
KLEIN, Fernando Machado et al. Educação ambiental e o ecoturismo na Serra da Bodoquena em Mato Grosso do Sul. Soc. nat. (Online), Uberlândia, v. 23, n. 2, p. 311-321, Aug. 2011. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1982-45132011000200013&lng=en&nrm=iso. Acesso em 22 Mar. 2020. https://doi.org/10.1590/S1982-45132011000200013.
SALGADO, C. M. M. Uso da informação no Desenvolvimento do território turístico de Bonito/MS, 2007. Disponível em: http://www.cpap.embrapa.br/teses/online/DST39.pdf. Acesso em: 22 mar. 2020.
Reportagem G1, seu Modesto. Disponível em: http://g1.globo.com/mato-grosso-do-sul/noticia/2013/12/com-direito-lendas-buraco-das-araras-e-passeio-imperdivel-em-ms.html. Acesso em 24 mar. 2020.
Reportagem ao Fantástico, gruta do lago azul. Disponível em: http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2015/07/fantastico-visita-lagoa-proibida-que-abriga-fosseis-de-preguica-gigante.html. Acesso em 24 mar. 2020.