Recentemente, temas relacionados à atuação das mulheres na ciência vêm ganhando relevância etrazem, além de uma perspectiva histórica de desafios e conquistas, a percepção de que, apesar dos avanços, ainda estamos distantes da almejada igualdade no meio acadêmico.Espero que você, leitora ou leitor,já tenha tido contato com tais temas, mas se não, nunca é tarde para algumas reflexões que possam abrir esse diálogo, como: quantas mulheres incríveis você já conheceu no meio acadêmico? Agora pense nas suas colocações, quantas delas são alunas de graduação, técnicas, pós-graduandas, pós-doutorandase professoras? Essas perguntas trazem respostas que podem refletir tanto uma trajetória de conquistas que mulheres vêm sendo alcançadas na academia como de desigualdades que ainda precisam ser superadas.
De acordo com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico(CNPq), o número de cientistas do gênero feminino é praticamente o mesmo do gênero masculino (Tabela 1). Dados do censo de 2016 do CNPq mostram que estavam cadastrados em sua base de dados aproximadamente 199.566 mil pesquisadores, sendo que metade são mulheres.
Tabela 1- Distribuição percentual (%) dos pesquisadores segundo o sexo 1993-2016
Podemos observar a evolução dessa participação feminina nos últimos 15 anos, a qual, segundo o CNPq, se deve à universalização da educação e ao avanço da ciência e da tecnologia nas últimas décadas.
Como uma forma de olhar para essas mulheres e sua trajetória, o CNPq juntamente com a Secretaria de Política para Mulheres classificou em 7 edições – Pioneiras da Ciência no Brasil (2013) – biografias de mulheres que contribuíram para o desenvolvimento da ciência. Dentre diversas grandes referências, selecionei três exemplos de pesquisadoras reconhecidas na trajetória da ciência brasileira.
Bertha Lutz (1894-1976), formada em Ciências Naturais pela Universidade de Paris (Sorbonne) em 1918,especializou-se em anfíbios anuros e descobriu uma espécie, o Paratelmatobius lutzii, também conhecido como “Lutz’srapidsfrog”. Lutz, além de cientista, atuou no campo da Educação e na esfera política. É considerada uma referência enquanto ativista feminista e na luta pelos direitos femininos no Brasil. Sua trajetória incluiu forte atuação no sentido de incentivar a formação superior entre mulheres e aluta pelodireito ao voto feminino (estabelecido por decreto-lei do presidente Getúlio Vargas, em 1932). Recomendo a leitura de um texto breve chamado A história da educação feminina, por Fernanda Fernandes que traz um contexto histórico do ingresso da mulheres no ensino (em todos os níveis), no Brasil.
Duília de Mello (1963-), formada em Astronomia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é atualmente professora titular no Departamento de Física da Universidade Católica da América em Washington DC (tenured) EUA e Vice-Reitora de estratégias Globais. Duília de Mello desde 2003 trabalha em alguns projetos da NASA, a agência espacial norte-americana, em uma área predominantemente masculina. Dentre todas as suas atribuições como professora e pesquisadora, Duília, vendo a necessidade de abrir portas para futuras cientistas na astronomia, iniciou em 2016 o projeto Mulher da Estrelas para incentivar meninas a seguirem carreiras científicas
Suzana Herculano-Houzel (1972-), neurocientista que dirigiu o Laboratório de Neuroanatomia Comparada na Universidade Federal do Rio de Janeiro e atualmente professora na Vanderbilt no EUA. É considerada uma pesquisadora de renome da neurociência, tendo elaborado metodologias voltadas para comparar o número de neurônios em cérebros de diferentes animais, usando o que ela chama de “sopa cerebral”.Suzana foi a primeira brasileira a dar uma palestra na Conferência TEDGlobal, programa mundialmente conhecido.
Surpreendente né? A história dessas três grandes pesquisadoras e personalidades são apenas uma amostrada importância da força feminina na ciência e na transformação da sociedade.Outro ponto que merece discussão, e abordo a partir do estudo de Cassidy R. Sugimoto (2013), é que as áreas de atuação dessas cientistas que se destacam são dominadas por homens. De acordo com Sugimoto, as mulheres se destacam e têm maior representatividade em áreas relacionadas ao “cuidado”, como por exemplo, enfermagem, educação, serviço social. Enquanto áreas ligadas à robótica, astronomia, física e ofícios que exigem força e “raciocínio lógico” são, invariavelmente, campos de destaque masculino.
Um outro aspecto relevante é que, duas das três mulheres brevemente aqui apresentadas receberam (e aceitaram) propostas de trabalhar em outro país, e assim,o Brasil perde, além de cérebros, grandes referências femininas no meio científico. Essa observação nos traz outras reflexões: “Por que isso acontece em um país como o Brasil, que investe na formação de pesquisadores e carece de progresso tecnológico?” e além – “Seria mais difícil ainda para mulheres prosperarem na carreira científica no Brasil?” – mas essa discussão fica para um próximo post.
Voltando para o nosso tema, buscando qual a realidade da representatividade da mulher na Limnologia da UFRJ (Rio de Janeiro e Macaé), realizei uma busca no currículo lattes das professoras e professores, os alunos/cientistas que estão ativos (atuantes na Limnologia no presente momento). Os resultados estão sintetizados no gráfico abaixo (Figura 2), onde os integrantes foram categorizados de acordo com o gênero e posições (professores, alunos de iniciação científica (IC), mestrado, doutorado e pós docs).
Do gráfico acima podemos tirar várias informações.A primeira é que a Limnologia UFRJ é bem grande, com um total de 60 integrantes, sem contar o corpo técnico. Outra informação evidente é que o espaço é majoritariamente feminino. Somos 38 mulheres, correspondendo a 63% da equipe da Limnologia UFRJ. Considerando as ocupações, todas as categorias, exceto a mais alta, de professores, é composta principalmente por mulheres (Figura 3).A dominância feminina é maior no mestrado (90%), e a mais equitativa, a de doutorado.
Podemos constatar, que nesse universo da Limnologia da UFRJ, nós somos muitas e ocupamos majoritariamente quase todos os níveis acadêmicos (Figura 3) considerando os porcentuais nas categorias IC, mestrado, doutorado, nas quais ultrapassamos uma representação de 50% em cada um deles.Mas na categoria dos professores é diferente, temos uma maior proporção de homens, o que é uma realidade do Brasil, de acordo com estudos de Jaqueline Leta (2003). Leta traz no seu estudo a diferença da proporção de gênero a partir dos dados da Academia Brasileira de Ciência e faz um recorte da temática utilizando a UFRJ, campus Ilha do Fundão. Fica a dica de leitura para conhecer um pouco mais ada história das mulheres na UFRJ.
A professora Helena Nader, da Universidade Federal de São Paulo, ressalta que embora as mulheres estejam cada vez mais se titulando e produzindo ciência, ainda há um número pequeno que chega a posições de chefia. Narder fala sobre a desigualdade de gênero na academia, onde as mulheres têm evoluído, mas não o suficiente, pois continuam tendo outros papéis. Além de profissionais, na vida particular, são sobrecarregadas com afazeres domésticos e criação dos filhos, o que, frequentemente, se reflete em forma de currículos menos competitivos quando comparados aos de seus colegas pesquisadores. E num contexto de pandemia que hoje vivemos, Fernanda Staniscuaski e colaboradoras (2020), em uma nota na Science, trazem as dificuldades do home office sendo mães (muitas vezes mãe solo) de crianças pequenas e dependentes e apresentam a necessidade de uma flexibilização nas políticas acadêmicas, principalmente no que diz respeito a prazos.
Bom, com esta breve análise sobre o universo das pesquisadoras, podemos perceber que, além de toda dedicação que a ciência exige, as mulheres que desejam se aventurar nessa jornada enfrentam questões adicionais de natureza social e política. Primeiro o acesso e a permanência no ensino (em todos os níveis), a atuação em áreas majoritariamente masculinas, ser mãe/pesquisadora/professora que se desdobram para lidar com todas essas e ter seu espaço. Ser mulher e cientista traz o gosto da trajetória de luta e de conquistas de grandes pesquisadoras que nos antecederam, mas traz também o compromisso e a responsabilidade de dar continuidade a luta dessas mulheres, já que ainda existem muitas desigualdades a serem superadas. Agora você sabe um pouco sobre o tema “Mulheres na ciência” com recorte Brasil e Limnologia da UFRJ.
CNPq (ed.). Pioneiras na Ciência do Brasil – 7ª Edição CNPq.
Fernanda Fernandes (2019). A história da educação feminina. Acesso blog MultiRio
Nader, Helena. Helena Nader é reeleita presidente da SBPC. 2011.
Leta, Jacqueline.(2003).As mulheres na ciência brasileira: crescimento, contrastes e um perfil de sucesso.Estudos Avançados,17(49), 271-284
Sugimoto, Cassidy R. (2013). Global genderdisparities in science. Nature.
Staniscuaski, Fernanda et all (2020). Impact of COVID-19 on academic mothers. Science.
Sites:
- http://mulherdasestrelas.com/index.html
- Lattes das pesquisadoras mencionadas e dos professores da Limnologia UFRJ
- CNPq