No campus Realengo II do Colégio Pedro II, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, um grupo de estudantes orientados pelo professor Leandro Lopes Varanda vêm há 6 anos conduzindo um projeto de iniciação científica júnior chamado Clube de Aquarismo. Com temáticas voltadas para o uso de Aquários no ensino de Ciências e Biologia, o Clube já trabalhou com temas que abordaram desde o uso de aquários amazônicos até a eutrofização artificial, tudo com motivação estudantil no delineamento à execução de cada um dos projetos que o grupo já apresentou.
Lembro-me perfeitamente do dia em que eu, ex-aluno do município do Rio de Janeiro e recém chegado no mundo que é o Colégio Pedro II, fiquei muito entusiasmado quando vi um cartaz falando sobre um principiante projeto de Iniciação Científica Jr (que ainda não tinha nem logo) que buscava usar aquários no ensino de Ciências. Rapidamente entrei em contato com o professor e depois de algumas reuniões e visitas ao laboratório, começamos o meu primeiro projeto “O uso do aquário de guppies, Poecilia Reticulata, como ferramenta para o ensino de Ciências”. Esse projeto consistia na montagem e manutenção de um aquário de água doce, dentro do ambiente do Laboratório de Biologia, com o enfoque em atividades que convidassem o público para estudar diferentes temas do campo das Ciências Biológicas, como o ciclo de nutrientes na água, fisiologia dos organismos aquáticos e ecologia aquática.
Projetos como esse ajudam não só no processo de aprendizagem dos alunos envolvidos, como também nos mostram a importância de desenvolvermos práticas inovadoras para o ensino de Ciências e Biologia, sobretudo hoje e nas escolas públicas do país. Visto que, a globalização promoveu, em sua essência, um fluxo corrente e constante de informações ao longo de todo o mundo. Essas informações perpassam os mais diferentes espaços da sociedade e os atingem de formas e com intensidades distintas. A escola, por representar uma região de encontro das vivências de diferentes sujeitos, é significativamente afetada por essa complexa rede de informações, que determinou uma inversão no fluxo de conhecimento, se antes era passado da escola para a comunidade, agora é a comunidade que adentra a escola, reforçando ainda mais o papel da instituição educacional na disseminação de conhecimento. Além disso, estudar os ambientes aquáticos no ensino básico significa não só compreender o funcionamento de seus fatores bióticos e abióticos dentro de seus compartimentos e sua interação, mas também pensar em questões atuais e urgentes sobre esses ecossistemas em seus recortes naturais, como poluição, manejo e conservação.
Posto isso, entende-se que a metodologia usada em aula não deve se restringir à compreensão e à memorização de conceitos de uma determinada área do conhecimento, como por exemplo, as Ciências Biológicas, mas também precisa favorecer a compreensão do mundo no qual os estudantes estão inseridos. É relevante que eles possam não só entender a vida de forma mais ampla, mas também que se tornem agentes pensantes e tomadores de decisões a partir da fundamentação teórica das aulas (FREITAS E SOUZA,2003).
Nesse âmbito, as aulas práticas representam importantes recursos no ensino de Ciências e Biologia, permitindo de acordo com o proposto por (KRASILCHIK,2008): despertar e manter o interesse dos alunos; envolver os estudantes em investigações científicas; desenvolver a capacidade de resolução de problemas; compreender conceitos básicos e desenvolver habilidades, além de permitir que os alunos tenham contato direto com os fenômenos, manipulando materiais, equipamentos e observando organismos.
No estudo de conceitos de ecologia, por exemplo, o uso de um ecossistema aquático artificial de um aquário pode ser um recurso útil no desenvolvimento de um ensino prático de Ciências e Biologia, sendo esses microcosmos significativos no processo de ensino-aprendizagem desde o planejamento até a execução do experimento. O tipo de aquário, substrato, plantas, animais, rotina de iluminação e alimentação são alguns dos exemplos de componentes que podem ser amplamente estudados e contextualizados com a realidade/interesse dos alunos (VARANDA, 2017). Esses ambientes também podem ser explorados enquanto uma forma de iniciação científica, promovendo um pensar de forma metodológica e estimulando os alunos a criarem perguntas e hipóteses sobre suas observações do estudo. Cada etapa desse processo torna-se extremamente importante para que aquele sujeito (os estudante, em grande parte das vezes) seja estimulado a observar, analisar e contextualizar o mundo a sua volta com a sua realidade (VARANDA, 2017).
Finalizando o texto com uma experiência muito particular enquanto integrante do Clube de Aquarismo, posso dizer que o projeto foi muito importante na minha vida e no meu processo de aprendizagem por todo o ensino médio. Foram muitos momentos incríveis que permitiram que eu tivesse, mesmo que de forma bastante experimental, acesso às idéias, leituras e conhecimentos que anteriormente eram desconhecidos ou muito abstratos pra mim. Um dos momentos mais marcantes, que com certeza influenciou a minha escolha pela Licenciatura em Biologia, foi uma aula prática em que os alunos de IC-Jr do Clube participaram como mediadores, naquele momento eu pude ver o fascínio das crianças do 6° ano por tudo que estava sendo apresentado, e da forma como estava sendo apresentado. Quando eu entrei para a UFRJ, por motivos óbvios, eu já tinha uma inclinação para gostar de estudar ecossistemas aquáticos, só não sabia à qual parte desse universo gigante me dedicar, até que depois de muitas aulas, palestras e visitas aos laboratórios eu estou aqui… na Limnologia UFRJ.
Texto escrito por:
José Gabriel M. da Cruz (estudante de graduação em Ciências Biológicas na Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Leandro Lopes Varanda (Professor efetivo do departamento de Biologia e Ciências do Colégio Pedro II-campus Realengo II)
Referência bibliográfica e sugestões de leitura:
CHASSOT, A. Alfabetização científica: uma possibilidade para a inclusão social .Revist Brasileira de Educação, 2003.
DOS SANTOS, A. C. C.; STRASSACAPA, C.; RICARDO, G. L. P.; TAKASUSUKI, J. (2007). Ecossistema de aquário. In L. Bertoncello, P. P. F. Trento, R. Sartori, A. Fiorini , A. M. M. M. Amaral , et 421 al. (Org.), Atas do Encontro Internacional de Produção Científica Cesumar – V EPCC (pp. 1-5).
Maringá: Unicesumar.
FREITAS, Diana Paula Salomão de; SOUZA, Neusiane Chaves de Souza. Alfabetização científica desenvolvendo o senso crítico e construindo posicionamentos. IX ANPED SUL, 2012.Disponível em: . Acesso: 18 jul. 2013
KRASILCHIK, M. Prática de Ensino de Biologia . 4ª ed. São Paulo: EDUSP, 2008. 196p.
MENEZES, T. A.; MENDONÇA, C. M. L. A.; ARAGÃO, U. S. A utilização de aquários e terrários como ferramenta de ensino: um olhar pelo viés da experimentação. In: Seminário de Iniciação Científica (SEMIC). Anais. Universidade Estadual de Feira de Santana/BA. UEFS, 2011.
OLIVEIRA, C. C; CHAGAS, R. J; TEIXEIRA, P. M. M. A utilização de aquário como recurso didático para o ensino de Ciências em uma escola pública de Jequié/BA. Atas do IX Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, Aguas de Lindóia, SP, 2013.
RICKLEFSS, R.E. A Economia da Natureza. 6a edição. Rio de Janeiro, Ed. Guanabara Koogan, 2003.
SENICIATO, Tatiana; CAVASSAN, Osmar. O ensino de ecologia e a experiência estética no ambiente natural: considerações preliminares. Ciênc. educ. (Bauru), Bauru , v. 15, n. 2, p. 393-412, 2009 .
VARANDA, L, L. Aquários como recurso no ensino de Ecologia: Desenvolvimento e avaliação de metodologias práticas (Dissertação de mestrado). Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, 2017.
José e Leandro, excelente post. Achei especialmente interessante a ênfase que vocês deram à questão do ecossistema como central na abordagem com os aquários. Acho isto muito valioso, pois promove uma visão integrada do sistema, estrutura e funcionamento. E mais, vocês não se esqueceram de tratar também dos problemas, do mal funcionamento (da poluição). Parabéns pela visão e também a forma consistente com trataram deste recurso nas sala de aula.
Reinaldo.