O segundo autor do mês de Setembro é o Pós-Doutorando Joseph Ferro, do Laboratório de Limnologia/UFRJ. Ao longo do texto, ele traz reflexões a respeito do significado e da origem da palavra Limnologia e também a grande amplitude de atuações que essa Ciência possui. Além disso, discute a importância da linguagem como uma ferramenta extremamente importante de acessibilidade para a Divulgação Científica. O texto está imperdível, confira !
Equipe LimnoNews
Para quem frequenta o laboratório de Limnologia/UFRJ, localizado na ilha do Fundão, sabe que o laboratório passou por grandes reformas. Restauração da sala de análises físico-químicas, novas salas, novas portas, novos pisos, nova pintura, novo teto. Impossível entrar no laboratório e não se encantar com todas as melhorias realizadas. Porém, não é somente as pessoas que frequentam o laboratório que ficam maravilhadas com a nova visão. Quem passa pelo sombrio corredor do subsolo se depara com uma linda porta de vidro e, através do vidro, é possível enxergar um grande logo com o nome “Laboratório de Limnologia”, que fica ainda mais ressaltado na parede azul petróleo (Figura 1). Se algum dia você, caro leitor, tiver a oportunidade de se sentar na sala de estudos, ao lado da porta principal do laboratório, você notará que do lado de fora, junto com as exclamações de surpresa pela beleza de nossa entrada, surgem vozes que se indagam: “O que é limnologia?”.
Situações como essa se tornaram comuns. Porém, mais comum é notar os grupos de alunos que ao passarem pela porta do laboratório se perguntam. Alguns cochicham, alguns gritam, alguns berram e muitos riem. Da ausência de resposta surge a criatividade: Limnologia deve ser o estudo do limo! Essa eu já ouvi diversas vezes, inclusive, em outros contextos. Mas eu não julgo negativamente as pessoas que chegam a essa conclusão. Acredito que o nome Limnologia não é nada intuitivo, diferente de outras grandes áreas da Biologia. Por exemplo, quando alguém se refere à Oceanografia, por mais que não saiba especificadamente qual o objeto de estudo do pesquisador, a população leiga sabe concluir qual é o seu grande campo de estudo.
Além de ser pouco intuitivo, a tradução etimológica ficou muito distante do que a Limnologia se ocupa atualmente. Limnologia vem do grego “Limné” que significa “lago”. Esta raiz grega remonta ao surgimento da Limnologia como ciência. Forel, em 1901, publicou a obra “Manual da Ciência dos Lagos”, no qual havia uma subseção intitulada “Limnologia Geral”. Esta obra pioneira foi o resultado de suas pesquisas sobre o Lago Léman, na Suíça (Esteves, 2011). Por causa disso, a Limnologia ficou conhecida, durante muitos anos, como a ciência que estuda os lagos. Contudo, atualmente a Limnologia engloba diversos ecossistemas e não somente os lagos.
Ao ler acima que os lagos não são os únicos ecossistemas do campo da Limnologia, tenho certeza que você pensou nos Rios como um possível ambiente que pode ser estudado pela Limnologia. Se você pensou assim, você está certo! Acredito que por conta dessa associação com Lagos e Rios, muitas pessoas costumam definir a Limnologia como a ciência das águas doces numa tentativa de tornar a definição de Limnologia mais popular e intuitiva. Apesar de belo e, de certa forma poético, essa definição ainda é um pouco pobre, uma vez que ela exclui diversos ambientes que são do campo da Limnologia que possuem concentrações salinas, como as lagoas costeiras.
Quando eu preciso explicar para algum leigo qual é o campo da Limnologia eu gosto de fazer uma associação com a Biologia Marinha. Eu peço para a pessoa pensar em Biologia Marinha e pergunto se ela consegue ter uma ideia do que seria. Em caso afirmativo, eu peço para ela pensar em todos os corpos de água que ela conseguir e excluir o mar. Esse seria o campo da Limnologia. Eu ainda gosto de acrescentar: Limnologia é tudo o que é água e não é mar. Tenho plena consciência que essa é uma maneira muito infantilizada de construir um pensamento acerca do que seria a Limnologia, mas tive êxito ao comunicar para a população não científica qual seria o nosso campo de atuação. Para o meio acadêmico eu gosto de acrescentar uma informação que se complementa com a construção do pensamento anterior. A Limnologia, então, seria o estudo das águas continentais. Neste sentido, todos os corpos d’água que estão localizados nos continentes são do campo da Limnologia: rios, riachos, lagos, lagoas, açudes, represas, poças, águas subterrâneas e até mesmo os fitotelmos (plantas que acumulam água, como as bromélias) (Figura 2). Vale ressaltar que a Limnologia é uma ciência multidisciplinar, envolvendo diversas áreas, como a Ecologia, a Botânica, a Zoologia, a Geologia, a Física, a Química, a Meteorologia etc. Por exemplo, um pesquisador pode tentar entender os efeitos das mudanças climáticas sobre plantas invasoras em um lago. Neste sentido, a meteorologia, a ecologia e a botânica se unem a fim de entender os processos envolvidos nesse ecossistema aquático continental. Desta forma, você pode perceber o quão diverso podem ser os objetos de estudo da Limnologia.
Eu ficaria muito feliz se esse texto alcançasse às mentes curiosas e criativas que passam na frente do nosso laboratório. Porém, mais que comunicar aos amantes do “Limo”, gostaria de gerar uma reflexão sobre os nomes que utilizamos no nosso dia a dia, nas nossas aulas e no nosso departamento. Gostaria de mostrar o quão excludente pode ser uma nomenclatura. Excludente não somente em relação ao acesso ao conhecimento, mas também em relação ao nosso próprio campo de atuação. “Limnologia”, “Ecologia de águas doces” são nomes que, em si, excluem uma infinidade de ambientes e restringem a capacidade dos alunos entenderem a grande diversidade que envolve a ecologia das águas continentais. Como a Limnologia passou por muitas mudanças em relação a sua origem, agregando ambientes e abarcando cada vez mais ciências, uma nomenclatura mais clara e abrangente poderia comunicar com mais facilidade sobre a diversidade que é a Limnologia e, provavelmente, aproximaria nosso campo de estudo tanto da comunidade leiga quanto da comunidade acadêmica.
Por Joseph Ferro
Referência
Esteves, F. A. 2011. Fundamentos de Limnologia. 3a. Interciência, Rio de Janeiro.
Além disso, a nossa prática no laboratório também incluiu nesta ciência multidisciplinar o estudo sobre os usos e conflitos das águas continentais. No Brasil, a água, ao ser um bem público, é direto de todo cidadão, imprescindível à nossa sobrevivência, passível de uso e de gestão.