Tive a sorte de receber uma oportunidade para trabalhar como pesquisador em um projeto na Espanha logo depois do mestrado. E obviamente era difícil dizer não, diante da incrível oportunidade. Saí do Brasil com o visto em mãos, mas sem saber se voltaria. Não sabia se voltaria ao Brasil em três meses (prazo do meu primeiro contrato) ou se ficaria lá pra sempre (não fiquei!). Só havia o desejo e uma intuição de que valia a pena tentar.
Seguindo o caminho meio seguro, mas ainda sim incerto, me mudei para a cidade de Granada, uma cidade universitária na Andaluzia, no sul da Espanha, aos pés de Sierra Nevada. É uma cidade “jovem” e bastante histórica, onde o ambiente acadêmico é bastante forte e integrado à rotina da cidade. É também um lugar muito cosmopolita, seja por ter um dos pontos turísticos mais visitados da Espanha (e da europa), seja por ser um dos principais destinos ERASMUS (do programa de intercâmbio parecido ao nosso antigo Ciência Sem Fronteira). De forma bem resumida, até porque a cidade para mim agora representa bem mais do que isso, Granada é uma cidade pequena, mas muito dinâmica e que respira o mundo. E é exatamente dessa maneira que eu também resumo a minha experiência internacional: foi uma imersão no mundo, e onde tive a certeza de que queria atuar desenvolvendo ciência, mas principalmente, uma ciência colaborativa.

Desde muito criança, sempre fui fascinado por mapas e pela dimensão espacial das coisas. E durante o mestrado, esse interesse pessoal se juntou à minha trajetória profissional, quando pude começar a trabalhar com análises geoespaciais e explorar ferramentas de sistemas de informação geográfica (SIG). A partir desse contato, percebi que queria me aprofundar na temática, dominar as ferramentas e almejava me tornar um técnico. Meu foco era na ferramenta. E durante minha experiência em Granada, esse caminho mais técnico se concretizou de alguma forma, porque pude me aprofundar nos métodos de geoprocessamento e sensoriamento remoto, além de compreender melhor os algoritmos e os fundamentos que estruturam a geomática*. Foi, sem dúvida, um aprendizado intenso, que contribuiu muito para minha formação técnica e profissional.
(* Geomática é uma disciplina que integra tecnologias e métodos para coleta, análise, interpretação, gestão e apresentação de dados geoespaciais. Ela combina ciências como geografia, cartografia, sensoriamento remoto, geodésia, fotogrametria)
No entanto, foi também uma experiência preponderante para mudar completamente meu rumo profissional. Percebi que minha motivação não estava em ser um especialista nas ferramentas, mas sim em me tornar um pesquisador capaz de aplicar esses métodos para responder (e gerar) perguntas. Essa virada de chave aconteceu no dia a dia do laboratório, nas trocas, nas conversas e na observação dos projetos dos colegas. Foi ali que compreendi que meu interesse real está na compreensão dos processos na discussão da teoria ecológica.

Foi no dia-a-dia do laboratório também que senti o que era um trabalho colaborativo, e quão forte é a ciência que é feita dessa maneira. Por sorte, estava inserido num ambiente e num projeto grande projeto de pesquisa, “feito a muitas mãos” e me alegra muito lembrar o caráter multicultural do contexto que estava inserido. Eu trabalhava no laboratório de ecologia terrestre, e à frente da minha mesa, ficam 2 colegas do Marrocos. Na mesa ao lado, um canadense. Compartilhava meus dias com colegas da França, Argentina, EUA, Holanda e das mais diferentes regiões da Espanha. Mas o curioso é que embora estivesse cercado de idiomas e nacionalidades diferentes, me vi pensando mais do que nunca no Brasil, estive a todo momento, cercado por brasileiros e por estrangeiros que nutriam um carinho enorme pelo Brasil, e ainda me chama atenção como eu me conectei com o Brasil de um jeito muito profundo estando lá fora.
Mas talvez o maior impacto dessa experiência na Espanha tenha sido vivenciar a ciência em outro contexto. Lá, percebi como o investimento em pesquisa muda tudo: principalmente na infraestrutura, no tempo para pensar, no suporte administrativo. Foi impossível não comparar com a realidade brasileira, e imaginar o que a ciência no Brasil poderia ser. Mas é claro que o contraste não é preto e branco. Ao me inserir em um ambiente tão internacional, também me chamou bastante atenção os comentários e dificuldades frequentemente vivenciadas por pesquisadores de outros países, de sul a norte, em maior ou menor escala: os cortes de verba, o subfinanciamento, a precarização do trabalho. Os problemas existem e são comuns em outras partes do mundo, mas a diferença me parece ser que, com políticas públicas mais fortes, as instituições aguentam melhor os ataques.
Viver na Granada foi também um presente pessoal porque trago comigo as amizades, memórias, até hábitos que adquiri por lá. Foi uma experiência muito importante de amadurecimento e autonomia. Foi o momento em que saí da casa dos meus pais e fui viver “sozinho”. Onde pude me aproximar de pessoas e histórias tão diferentes das da minha, e de lidar com o desconforto quase constante de ser diferente, de ser migrante. Essa vivência internacional me fez valorizar muito o que temos no Brasil, mas me possibilitou ver uma ciência conjunta e o quão gigante é a experiência de se produzir conhecimento de forma colaborativa. E é isso é uma característica que eu tenho buscado incorporar em todos os projetos que tenho feito desde que saí da Espanha, sejam acadêmicos ou não.
E me permitindo deixar aqui um conselho para quem tiver a chance e o desejo de estudar/trabalhar com pesquisa em outro país: abrace a oportunidade! Já escutei de muitas pessoas que não teriam coragem, que não se sentem confortáveis com uma nova língua, e sobre o medo de se sentirem sozinhas. E é verdade, é uma experiência desconfortável e solitária, em alguma medida, mas, ao mesmo tempo, ela carrega um potencial de transformação tão profundo que, se houver ao menos uma dose de curiosidade, isso já é suficiente para abrir espaço para uma vivência que, no mínimo, será profissionalmente enriquecedora.
Antes de terminar, não posso deixar de fazer um agradecimento especial à Nuria, que tem sido mais do que minha orientadora, uma amiga, e uma presença constante que tem acompanhado minha trajetória fora e dentro da pesquisa. Foi graças ao apoio e à generosidade dela que os caminhos até Granada se abriram e por isso tenho uma enorme gratidão!