Acredito que na perspectiva de muitos alunos, o início da graduação é o momento para conhecer melhor a área escolhida e a partir de então refletir sobre o que de fato trabalhar e pesquisar. Tal tarefa não me pareceu tão desafiadora considerando o interesse e a curiosidade, desde criança, ao observar a entomofauna, simplesmente para saber como aqueles indivíduos se comportavam ao longo do tempo, desde suas relações com outros indivíduos (intra e interespecíficas) até que tipo de recurso alimentar ‘preferiam’.
Serei sempre grata pela oportunidade de ter sido orientada pelo professor Jorge Luiz Nessimian, compondo o grupo de pesquisadores no Laboratório de Entomologia (UFRJ), onde não só conheci e aprendi um pouco mais sobre diferentes grupos taxonômicos, mas pude descobrir a importância ecológica de alguns grupos que vivem nos ecossistemas aquáticos continentais (rios, lagos, etc), atuando como bioindicadores da qualidade desses ambientes.
Dentre os organismos bioindicadores, um dos principais grupos utilizados na avaliação de impactos ambientais e monitoramento biológico, é o de macroinvertebrados bentônicos (CALLISTO et al., 2004; BAPTISTA, 2008). Esses organismos são habitantes de sedimentos em um ecossistema aquático por pelo menos um determinado período durante seu ciclo de vida e são encontrados associados aos mais diferentes tipos de substratos: orgânicos (ex.: fragmentos de raízes ou folhas) e inorgânicos (ex.: areia, rochas) (ROSENBERG & RESH, 1993).
De acordo com Callisto & Gonçalves Júnior (2002), é possível identificar a magnitude de impactos ambientais em um ecossistema aquático e sua bacia hidrográfica utilizando determinadas espécies, grupos de espécies ou comunidades biológicas (bioindicadores aquáticos), averiguando a presença, quantidade e distribuição desses indivíduos nos locais em análise. Comumente são utilizados organismos capazes de distinguir entre fenômenos naturais, como alteração de estação e estresses de origem antrópica, como os provocados pela emissão de poluentes ambientais e pelo desmatamento da vegetação ripária (HYNES, 1974; ROMANUK & LEVINGS, 2003; CALLISTO et al., 2004).
Existem muitas considerações importantes para a utilização de macroinvertebrados bentônicos como bioindicadores. Dentre estas, por possuírem mobilidade limitada; serem representativos da área onde foram coletados e capazes de formar uma ampla comunidade até mesmo em córregos de pequena ordem, e apresentarem ciclos curtos de vida em comparação a outros organismos como peixes, logo, as mudanças nas comunidades e estrutura das populações serão mais rapidamente observadas frente as alterações ambientais (ROSENBERG & RESH, 1993; REECE & RICHARDSON, 1999; GOULART & CALLISTO, 2003). Os insetos aquáticos além de representantes mais significativos do grupo dos macroinvertebrados bentônicos, também são importantes e abundantes componentes da biota aquática, desempenhando papel essencial na cadeia trófica desse ambiente, sendo observados em uma forma imatura. Estes utilizam o substrato como abrigo da corrente e de predadores, procuram alimento, depositam ovos e constroem casas (RESH & ROSENBERG, 1984), além de contribuírem como alimento para animais terrestres.
Os diferentes habitats ocupados por esta fauna nos riachos apresentam características específicas que geram diferenças na composição das comunidades destes insetos aquáticos associados (FIDELIS et al., 2008). Estes habitats são facilmente modificados com a degradação da vegetação ripária, e consequentemente as comunidades de insetos a eles associadas (HERNANDEZ et al., 2005; YOSHIMURA, 2012). Desse modo, as variações na composição local de espécies tornam este grupo de invertebrados um ótimo indicador a ser utilizado em estudos de biomonitoramento ambiental (DAJOZ, 2005).
A partir então desses conhecimentos e do material disponível no laboratório de entomologia, desenvolvemos o projeto da minha monografia, intitulado “Estrutura da comunidade de insetos aquáticos colonizadores de bancos de serapilheira em igarapés da Amazônia meridional, alta floresta (MT), sob diferentes condições de integridade da mata ripária”
Um dos objetivos principais do estudo foi identificar o comportamento da fauna de insetos aquáticos frente a substituição das matas ripárias associadas às nascentes hidrográficas por pastagens, nos municípios de Alta Floresta e Paranaíta, ao norte do Estado de Mato Grosso, que sofrem com crescentes taxas de desmatamento desde o início da ocupação territorial, a partir de atividades garimpeiras, madeireiras e agropecuárias (BOURSCHEIT, 2005; SOUSA et al., 2012). Atualmente, este processo é essencialmente devido à pecuária, uma das principais atividades econômicas na região.
Dentre as nove ordens e 48 famílias em um total de 6308 indivíduos identificados pertencentes à classe Insecta, pude observar com um dos resultados, mesmo sem diferença significativa entre as coberturas, uma tendência de maiores valores de equitabilidade, diversidade Shannon-Wiener e número de indivíduos nas áreas de mata e maiores valores de dominância em áreas com impacto. Acredito que com a identificação em níveis taxonômicos menores, a fauna de insetos aquáticos apresentaria maior capacidade para discriminar os tipos de cobertura florestal.
Para mim, hoje, fazer parte do grupo de pesquisadores no Laboratório de Limnologia – UFRJ (NUPEM) como mestranda do Programa de Pós Graduação em Ciência Ambientais e Conservação sob orientação do Prof. Albert Suhett, é sem dúvida um novo passo para o aprendizado. Com a proposta desse novo projeto, intitulado: “Efeitos do impacto ambiental e da localização geográfica sobre a diversidade taxonômica e funcional de macroinvertebrados aquáticos em áreas de mineração na Floresta Nacional Saracá-Taquera, PA.” vejo a possibilidade não só de obter informações valiosas a respeito de um diferente tipo de impacto ambiental (mineração) sobre ecossistemas amazônicos utilizando como ferramenta de estudo, novamente, os macroinvertebrados bentônicos, como também contribuir de alguma forma com os conhecimentos que me foram acrescidos ao longo desses anos.
Sugestões, comentários ou exemplos pertinentes?
Participe! 🙂
REFERÊNCIAS:
BAPTISTA, D.F. 2008. Uso de macroinvertebrados em procedimentos de biomonitoramento em ecossistemas aquáticos. Oecologia Brasiliensis, 12(3): 425 – 441.
BOURSCHEIT, A. Desmatamento na Amazônia foi de 26.130 quilômetros quadrados entre 2003 e 2004. Disponível em: . Acesso em: 30 nov. 2014
CALLISTO, M.; GONÇALVES JÚNIOR, J.F. A vida nas águas das montanhas. Ciência Hoje, v. 31, n. 182, p. 68-71, 2002.
CALLISTO, M.; GONÇALVES JÚNIOR, J. F.; MORENO, P. Invertebrados aquáticos como bioindicadores. In: GOULART, E.M.A. (Ed.). Navegando o Rio das Velhas das Minas aos Gerais. 1a ed. Belo Horizonte: UFMG, 2004. p. 1-12.
DAJOZ R. Princípios da Ecologia. 7a ed. Porto Alegre: Artmed, 2005. 520p.
FIDELIS, L.; NESSIMIAN, J.L.; HAMADA, N. Distribuição espacial de insetos aquáticos em igarapés de pequena ordem na Amazônia Central. Acta Amazonica, v.38, n.1, p. 127-134, 2008.
GOULARD, M.; CALLISTO, M. Bioindicadores de qualidade de água como ferramenta em estudos de impacto ambiental. Revista da Faculdade de Pará de Minas, v. 2, n. 1, p. 156-164, 2003.
HERNANDEZ O., MERRITT R.W., WIPFLI M.S. Benthic invertebrate community structure is influenced by forest succession after clearcut logging in southeastern Alaska. Hydrobiologia, v. 533, n. 1-3, p. 45–59, 2005
HYNES, H, B. N. 1974. Comments on taxonomy of Australian Austroperlidae and Gripopterygidae (Plecoptera). Australian Journal of Zoology. Csiro Publications, Collingwood. 1-52, Suppl. 9.
REECE, P.F.; RICHARDSON, J.S. Biomonitoring with the reference condition approach for the detection of aquatic ecosystems at risk. In: CONFERENCE ON THE BIOLOGY AND MANAGEMENT OF SPECIES AND HABITATS AT RISK, 15-19 fev. 1999, British Columbia. Anais…British Columbia, 1999. p. 8
RESH, V.H. & ROSENBERG, D.M., 1984. The ecology of aquatic insects. 1ª ed., New York, Praeger Publishers. 625 p.
ROSENBERG, D.M.; RESH, V.H. Introduction to Freshwater Biomonitoring and Benthic Macroinvertebrates. In: ______. Freshwater Biomonitoring and Benthic Macroinvertebrates. New York: Chapman & Hall, 1993. p. 1-9.
YOSHIMURA, M. Effects of forest disturbances on aquatic insect assemblages. Entomologival Science, v. 15, n. 2, p. 145-154, 2012.